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Jon Batiste não consegue tirar Beethoven da cabeça

Muito antes de se tornar líder de banda, celebridade da televisão e vencedor do Grammy e do Oscar, Jon Batiste era um estudante dedicado ao piano clássico.

Por Em Sergipe

01/12/2024 às 07:30:17 - Atualizado há

Muito antes de se tornar líder de banda, celebridade da televisão e vencedor do Grammy e do Oscar, Jon Batiste era um estudante dedicado ao piano clássico.

Na adolescência, em Metairie, Louisiana, ele dedicava as manhãs de sábado às aulas na casa de sua professora, a Srta. Shirley, onde praticava escalas, arpejos e obras de compositores como Bach e Debussy.

“Eu era aquele tipo de aluno que deixava os livros no átrio e só ia buscá-los novamente na aula seguinte”, confessou Batiste. "Não praticava em casa. A beleza da música só veio a fazer sentido para mim mais tarde.”

Agora, Batiste, 38, está retornando às suas raízes clássicas com um álbum chamado "Beethoven Blues". Ele apresenta improvisações em obras-primas como “Für Elise” e a Quinta Sinfonia, além de composições inspiradas em Beethoven, como “Dusklight Movement” e “Life of Ludwig”.

Para Batiste, que gravou o álbum em apenas um dia e meio em sua casa em Nova York, este projeto tem um significado pessoal. Ele o remete ao Maple Leaf Bar e a outros palcos em Nova Orleans, onde, ainda adolescente, começou a combinar noturnos de Chopin e invenções de Bach com suas próprias composições.

"Este é o meu modo de vida", explicou. “Viver a música, explorá-la e manter um diálogo constante com ela e com os compositores.”

Em uma noite recente no Electric Lady Studios, em Nova York, Batiste sorriu enquanto improvisava ao piano alguns de seus clássicos favoritos, como “Clair de Lune”, de Debussy, e “Fantaisie-Impromptu”, de Chopin. Ele depois voltou sua atenção para Beethoven, incorporando elementos de gospel e blues à Sonata “Moonlight”. "Essa é pesada, cara", analisou.

Em uma entrevista, Batiste refletiu sobre seus primeiros anos como pianista, a influência dos ritmos africanos em Beethoven e o elitismo presente na música clássica. Seguem trechos editados da conversa.

P: Você foi criado em uma família conhecida pelo jazz de Nova Orleans. Como você começou a experimentar com a música clássica?

R: Aos 11 anos, comecei a tocar piano e a me envolver em atividades fora do círculo familiar. E quando eu tinha 14 anos, eu tinha minha própria banda. Tocávamos em salas de ensaio, casas noturnas ou lugares onde éramos jovens demais para estar. Apresentávamos nossas próprias músicas, e, às vezes, eu chegava direto de um recital de piano, de uma aula ou de uma competição e tocava um pouco daquela música no palco.

P: Quais peças você associa aos seus primeiros anos como estudante de piano?

R: Durante meu tempo na Juilliard, tive aulas com William Daghlian. Passamos um ano trabalhando na Balada No. 1 de Brahms – não pelas notas em si, mas pelas nuances. Há tanta coisa que não está na partitura. A partitura são as coordenadas da música. Mas é preciso mergulhar profundamente para compreender, e, para realmente chegar lá, é necessário se despir como artista. A partir dessas composições aparentemente simples, encontramos uma forma de revelar a essência — a ciência e a alma.

P: Você seguiu algum modelo ou inspiração ao começar a misturar música clássica com outros gêneros?

R: No início do século XX, a tradição clássica europeia se fundiu com as tradições da América negra e dos imigrantes de primeira geração, dando origem a uma nova identidade cultural americana. A fusão de tudo isso é muito inspiradora para mim. Houve uma troca maravilhosa, marcada por uma reverência à qualidade e à habilidade, mas também por uma profunda originalidade.

P: Por que gravar um álbum clássico agora?

R: Na música clássica, existe uma reverência que, ao mesmo tempo em que é admirável, pode ser sufocante, limitando nossa capacidade de dialogar com ela e de explorar as oportunidades de transformação criativa que ela oferece. Por que nos escondemos disso? Por que nos separamos de algo tão bonito? Adoro a ideia de criar algo que seja para todos.

P: Em sua opinião, de onde vem essa tendência sufocante?

R: A música clássica possibilitou a escrita das composições, mas também fez com que muitas pessoas se prendessem à partitura, esquecendo-se do mistério inerente à música. Se os grandes compositores aparecessem por aqui nos dias de hoje, influenciados pelo blues, jazz, hip-hop, gospel, soul e R&B, acredito que eles integrariam esses ritmos em suas composições. E a música evoluiria como variações de um tema, em vez de permanecer uma partitura fixa e imutável ao longo do tempo.

P: Pode me falar sobre sua conexão com Beethoven?

R: A música dele é profundamente africana, repleta de polirritmias, com compasso binário e ternário coexistindo o tempo todo. O sentimento do blues já está presente em sua música, antes mesmo de o blues existir como termo, forma ou estilo. Há uma condição humana subjacente que está na essência de quem todos nós somos. Os maiores artistas conseguem captar, abraçar e expressar essa essência, mesmo antes de termos um nome para ela.

P: Como você decidiu quais peças incluir neste álbum?

R: Eu queria despertar a imaginação de pessoas que talvez não se considerem mais músicos. Toda pessoa que se embriaga em uma festa acaba tocando uma versão de "Für Elise". As notas podem estar completamente erradas. Mas é lindo porque é uma expressão musical comunitária. Ela convida as pessoas não apenas a ouvir, mas a participar, a dialogar com a música de Beethoven, assim como fazemos com outras obras de domínio público, como "Quando os Santos Marcham".

P: Uma das faixas é intitulada "5th Symphony in Congo Square", uma homenagem ao emblemático local em Nova Orleans onde a música negra americana prosperou.

R: Pensei na atmosfera da Praça Congo durante as celebrações, quando nossos ancestrais e o restante da cultura se uniram em um momento profundamente transformador na história americana. E adaptei isso aos ritmos implícitos da Quinta Sinfonia.

P: Você mencionou recentemente que alguns gêneros são vistos como “imaculados, preservados e europeus”, enquanto outros como “negros, suados e improvisados”. O que você quis dizer?

R: Às vezes, reverenciamos a música não apenas por sua grandiosidade, mas também por ser europeia. E há coisas que hesitamos em reverenciar devido às comunidades de onde elas se originam ou aos lugares onde deveriam ser tocadas: seja em um bar, um pátio, em casas de má reputação ou até mesmo em uma igreja. Na verdade, não estou tentando desafiar uma tradição ou um sistema. Eu simplesmente acredito que há um valor genuíno e um poder criativo transformador ao buscarmos a pureza da expressão em vez de nos prendermos a regras e regulamentos.

P: Você mencionou a importância de revitalizar a tradição da composição espontânea, algo amplamente presente no jazz, dentro do contexto da música clássica.

R: A composição espontânea é confiar que você refinou sua voz e identidade artísticas a ponto de se sentir digno de dialogar com os grandes mestres. É a confiança de que você tem algo relevante e, ouso dizer, indispensável a acrescentar a essas melodias e temas essenciais.

P: Ao gravar este álbum, você criou cada versão na hora?

R: Refleti bastante sobre tudo previamente. É necessária muita preparação, muito entendimento, e fazer um ajuste cuidadoso do equilíbrio entre melodia, ritmo, som e harmonia para arranjar ou antecipar uma composição antes de se sentar ao instrumento.

P: O álbum inclui algumas composições originais inspiradas na vida e na música de Beethoven. Qual era seu objetivo?

R: Eu formo uma história na minha mente, e então ela guia minhas mãos sobre o que tocar. "Life de Ludwig" é a história da vida de Beethoven em som em menos de dois minutos. Ela segue para "Für Elise-Reverie", que é um devaneio em "Für Elise", uma versão de 15 minutos da peça. "Dusklight Movement" é um contraponto à Sonata "Moonlight", adotando um pouco da agitação menor do primeiro movimento, que evoca o blues. Talvez nela você ouça um pouco de "The Thrill Is Gone", de B.B. King.

P: Você mencionou que este álbum revela um lado mais vulnerável e íntimo de si mesmo.
R: Em um mundo repleto de “ismos”, camadas e máscaras, há uma beleza única na vulnerabilidade.

P: O que Beethoven acharia do seu álbum?

R: Ele diria: "Isso parece fogo. Adoro isso”. Essa é a essência da beleza do ato de criar. Não importa o que ele pensa. Porque quando partirmos, o que deixaremos será o nosso legado, ou seja, quem somos e o que fizemos para contribuir para o bem maior da humanidade. E ele fez muito. Agora é a nossa vez. Cabe a nós determinarmos o significado do que estamos criando.

Este artigo foi publicado originalmente no The New York Times.

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