A primeira seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai analisar se o estado de São Paulo pode responder na Justiça a um pedido de pagamento de indenização pelas mortes relacionadas aos "crimes de maio", ocorridos em São Paulo, em 2006.
O caso refere-se a uma série de ataques de forças de segurança e grupos de extermínio em resposta a rebeliões e atentados promovidos pela facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que deixaram mais de 500 mortos.
Por unanimidade, os ministros da segunda turma do STJ decidiram, nesta terça-feira (10), enviar o caso ao colegiado maior, que reúne integrantes das duas turmas que discutem processos sobre direito público.
A medida foi tomada diante da relevância e do ineditismo do caso. Ainda não há data para a seção analisar a questão.
A discussão visa saber se o pedido de indenização já prescreveu. Em caso positivo, o estado não poderia ser demandado na Justiça para pagar uma reparação a familiares e vítimas dos crimes de maio.
O STJ não analisa fatos ou provas para determinar se o estado de São Paulo deverá ou não indenizar as vítimas. O julgamento é apenas sobre se o caso já prescreveu ou não.
Os ministros analisaram um recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo. O órgão pede que seja reconhecida que o caso é imprescritível. Ou seja, que não há prazo determinado para se propor uma ação e para a condenação.
Defensoria recorreu ao STJ
O caso começou com uma ação civil pública apresentada em 2018 pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) pedindo pagamento de indenização individual e coletiva por danos morais.
O pedido foi rejeitado em primeira e segunda instâncias da Justiça de São Paulo, que reconheceu a prescrição.
De acordo com o entendimento da justiça paulista, o prazo para propor a ação seria o de cinco anos contados da data dos fatos.
Assistente no processo, a Defensoria recorreu ao STJ.
Segundo o órgão, o prazo de cinco anos para a prescrição não deve ser adotado, pois a discussão trata de violações de direitos humanos e fundamentais.
Crime organizado
Relator do recurso da Defensoria, o ministro Teodoro Silva Santos votou inicialmente para reconhecer que o caso não prescreveu, e que a Justiça paulista deveria reanalisar o pedido de indenização.
Ele aderiu depois à sugestão do ministro Marco Aurélio Bellizze, de enviar a discussão para a primeira seção do STJ.
Em seu voto, Teodoro Santos disse que a aplicação do prazo de cinco anos para prescrição é "incompatível com os padrões nacionais e internacionais de proteção dos direitos humanos".
"A gravidade das violações e a ausência de mecanismos eficazes de responsabilização e impacto sistemático sobre grupos vulneráveis qualificam esses eventos como graves violações de direitos humanos", afirmou.
O ministro ressaltou que as forças policiais, com o pretexto de "represália" aos ataques do PCC, fizeram "operações que resultaram na morte de centenas de pessoas, muitas delas civis e sem vínculo com o crime organizado".
Os crimes de maio
Considerados uma das maiores chacinas da história recente do Brasil, os crimes de maio foram uma série de atos violentos ocorridos no estado de São Paulo.
Começaram com rebeliões em presídios e ataques a delegacias e prédios públicos promovidos pelo Primeiro Comando da Capital (PCC).
Os atos foram uma resposta à transferência de presídios de 765 integrante da facção, entre eles o apontado como líder máximo do grupo, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola.
Como resposta, agentes do estado e grupos de extermínio paramilitares que teriam ligações com policiais passaram a promover uma represália aos ataques.
Ao todo, 564 pessoas morreram: 59 agentes estatais e 505 civis – a maioria sem ligação com facções. O número é maior do que o reconhecido oficialmente nos 21 anos de ditadura militar, de 434 mortos, segundo a Comissão Nacional da Verdade.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) investiga o Estado brasileiro por chacinas específicas dos crimes de maio.
Em 2022, o STJ decidiu federalizar a investigação sobre a chacina do Parque Bristol, um dos episódios relacionados ao caso.
CNN Brasil