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No episódio desta semana do podcast Bom dia, fim do mundo, Marina Amaral, diretora da Agência Pública, Ricardo Terto, nosso supervisor técnico de podcasts, e eu propomos uma reflexão sobre o consumismo e a relação dele com a crise climática. Mas o tema é tão complexo e interessante que resolvi ampliar o debate também por aqui. Afinal, se tem uma época que a gente consome demais é essa agora. Bora repensar as comprinhas?
Uma série de estudos lançados nos últimos anos trazem dados perturbadores do tamanho do impacto do nosso consumo sobre o planeta, tanto em termos de emissões de gases de efeito estufa, de depauperação dos recursos naturais, quanto de produção de lixo e poluição.
Com a ajuda do nosso estagiário Gabriel Gama, que encarna o anjo que traz uma "luz no fim do túnel" toda semana no podcast, descobrimos alguns dados que são de explodir a cabeça. Vem comigo:
- No mundo todo, a produção per capita de roupas dobrou em 43 anos, de 5,9 kg em 1975 para 13 kg em 2018, de acordo com estudo publicado em 2020 na revista Nature sobre o impacto ambiental do fast fashion. Em 2023, já eram 15,5 kg per capita, segundo um outro estudo, o Materials Market Report, da ONG Textile Exchange, que colaborou com o Programa de Meio Ambiente da ONU, o Pnuma. Eles projetam que alcançará 18,8 kg em 2030. Agora pensa que quando a gente viaja de avião a gente pode despachar uma mala de 23 kg. Imagina quase uma mala de viagem com novas roupas todo ano, para todo mundo
- Obviamente que não tem nem onde guardar tanta coisa. Segundo o estudo que saiu na Nature, jogamos fora 92 milhões de toneladas de roupa por ano. Só que algumas nações fazem isso bem mais do que outras, obviamente. Uma reportagem recente da Bloomberg relatou que os americanos descartam, por segundo, 2.150 peças de roupa. Por segundo!
- A situação fica mais dramática quando a gente vê a composição das roupas. De acordo com o Materials Market Report, a produção de fibras sintéticas baseadas em combustíveis fósseis passou de 67 milhões de toneladas em 2022 para 75 milhões de toneladas em 2023. O poliéster (um tipo de plástico) responde por 57% do total de fibras produzidas.
- Isso tudo dificulta a reciclagem das peças. Com isso, ao se degradarem, acabam piorando a poluição plástica. A indústria da moda contribui com 35% da contaminação dos oceanos por microplásticos. Segundo o Pnuma, uma única lavagem de uma peça de roupa sintética libera mais de 1.900 fibras de microplástico.
- Seu negócio não é moda, mas você adora um eletrônico? Bem, aqui os números ficam ainda mais assustadores. Um documentário lançado pela Netflix neste mês, o Conspiração Consumista, aponta que 13 milhões de celulares são jogados fora por dia.
- Neste ano, a ONU lançou o "Monitor Global de E-lixo", que revelou a geração de 62 milhões de toneladas de e-lixo em todo o mundo (dados referentes a 2022) – metade disso é de metais usados nos produtos e cerca de ?, é de plásticos. Do total de lixo eletrônico, somente 22,3% foi reciclado.
- Plástico, claro, é um capítulo à parte. Desde que o uso do plástico começou a ficar mais disseminado, a partir da década de 1950, 9,2 bilhões de toneladas de plástico foram produzidas, sendo que mais de 7 bilhões viraram lixo.
- A cada ano, o mundo produz mais de 430 milhões de toneladas de plástico e a perspectiva é que, no ritmo atual, a produção triplique até 2060.
- Por ano, mais de 280 milhões de toneladas de plástico de vida curta são descartados. 36% da produção anual de plástico é para uso como embalagem.
- Um estudo do Pnuma sobre poluição plástica nos oceanos, apontou que, por ano, inalamos cerca de 120 mil partículas de microplástico e ingerimos 52 mil.
- O microplástico, que é uma partícula menor que 5 milímetros, já foi encontrado em diversas partes do corpo humano (como a corrente sanguínea, o coração, o pulmão, o cérebro, o leite materno e a placenta) e também nas nuvens, no gelo da Antártica e até fundido em rochas na Ilha de Trindade.
- "A promessa, por décadas propagandeada pela indústria petroquímica – e ainda defendida pelos países produtores –, de que a reciclagem seria a solução para essa imensa quantidade de resíduos jamais se concretizou", escreve a colega Isabel Seta nesta ótima reportagem sobre o drama da poluição plástica. Apenas 9% do plástico é reciclado em todo o mundo. "A produção e o uso que a sociedade faz do plástico é totalmente paradoxal: se vale de um material cuja principal característica é a durabilidade para fazer produtos que vão rapidamente para a lata de lixo", aponta a reportagem.
- A produção de plástico responde por 3,4% das emissões globais de gases de efeito estufa, cerca de 1,8 bilhão de toneladas de CO2e. Já a indústria da moda responde por 10% das emissões globais.
Acho que já deu para ter uma ideia, né? Mas além de um monte de números assustadores, a ideia deste texto, assim como do episódio desta semana, foi fazer um convite à reflexão.
Porque estamos falando de dados globais, mas a verdade é que a contribuição para o problema está longe de ser algo igualmente compartilhado por todos os países, muito menos por todos os habitantes deste planeta. A crise climática, assim como a poluição, são também um reflexo da desigualdade social e econômica.
O consumismo praticado por uma minoria de ultra consumidores, aliado com a crise climática, coloca em risco um futuro igualitário para a humanidade, apontou um relatório feito pela revista Lancet Planetary Health.
A degradação ambiental e a instabilidade climática estão esgotando os limites planetários e impedindo que haja, literalmente, espaço para que todo mundo (os 8 bilhões de habitantes do planeta) tenham o mínimo necessário para viver de modo justo – que eles consideram ser 2.500 calorias diárias de comida, 100 litros de água, 0,7 kWh de eletricidade, além de condições de uma moradia de pelo menos 15 metros quadrados e condições de transporte anual de 4.500 km.
Como, obviamente, tem uma minoria que tem acesso a muito, muito mais do que isso, os limites planetários seguros estão sendo esgotados. Em breve não vai sobrar mais terra para todo mundo viver igualmente bem.
SIte Oficial da AP