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O prefeito Ricardo Nunes dispôs de uma receita superior a R$ 125 bilhões para administrar São Paulo em 2024. O governador Tarcísio de Freitas arrecadou R$ 372 bilhões no estado no ano passado. Um dinheiro que veio do trabalho e do pagamento de impostos pela população, que deveria ter acesso à saúde e educação de qualidade, segurança e transporte públicos eficientes, meio ambiente seguro e moradia digna.
Um quadro muito distante da realidade das famílias periféricas da região metropolitana de São Paulo – de responsabilidade de prefeituras e do governo do estado –, sobretudo daquelas que recebem os menores salários, quase sempre as que mais trabalham e não têm recursos para ocupar imóveis em regiões seguras. Vale lembrar que São Paulo tem um déficit habitacional de 400 mil moradias, número que persiste pela falta de investimentos do poder público.
Quem vive em áreas de risco são pessoas como o copeiro Robson Brasílio, entrevistado pela Agência Pública, que no sábado passado acordou com a água batendo no berço da filhinha de 9 meses e teve que tirar os quatro filhos e a esposa pela janela de sua casa no Jardim Helena, no extremo leste da capital paulista. É nesse distrito que fica o bairro do Jardim Pantanal, que há seis dias está com as ruas submersas pelas águas imundas do rio Tietê.
Nem mesmo os Bombeiros e a Defesa Civil atuaram à altura da emergência: não foram vistos quando a reportagem da Pública esteve no local na manhã de terça-feira e anunciaram uma quantidade irrisória de operações para o tamanho do problema: segundo o Corpo de Bombeiros foram atendidas 70 ocorrências em cinco dias no Jardim Pantanal, onde vivem 45 mil pessoas
Um levantamento realizado em janeiro de 2024 pela Pública com base em dados do GeoSampa encontrou 185.634 moradias em áreas de risco geológico – sujeitas a deslizamentos de terra e solapamento de córregos – só no município de São Paulo. Das 32 subprefeituras, apenas três não tinham moradores nessas áreas, Sé, Vila Mariana e Pinheiros. Não por acaso as que concentram bairros mais ricos. Se incluirmos os 39 municípios da região metropolitana, são 750 mil moradias em áreas de risco.
Só em dezembro do ano passado, após condenação da Justiça, a prefeitura de São Paulo entregou o Plano Municipal de Redução de Riscos, previsto na Lei do Plano Diretor de 2014. De acordo com o documento, 490 mil paulistanos vivem em áreas de risco de deslizamentos ou enchentes severas, que totalizam 20,2 km2. Pior: essas áreas aumentaram em comparação a levantamentos anteriores – 5,6 km2 em 2006 e 13,5 km2 em 2010.
A prefeitura diz ter gasto R$ 1,5 bilhão em obras de prevenção a enchentes até agora, menos do que os R$ 2 bilhões previstos no orçamento de 2024. Além disso, algumas dessas obras não foram nem concluídas, como o prometido pôlder, que poderia ter reduzido os prejuízos dos moradores do Jardim Pantanal e está 500 dias atrasado.
Nas coletivas de imprensa desde o início do desastre, o prefeito Nunes, com o governador Tarcísio caladinho atrás, falou como se a culpa da enchente fosse dos moradores, que estão em área de risco, descartando obras que poderiam resolver o problema por supostamente caras e oferecendo quantias irrisórias para expulsar as pessoas de suas casas com uma cara de pau digna de Trump (aquele do boné de Tarcísio).
De acordo com estimativas da própria prefeitura, remover as famílias custaria mais caro do que fazer o dique que poderia salvar suas casas. A obra custaria cerca de R$ 1 bilhão (para uma prefeitura que dispõe de um orçamento significativo), enquanto remover as famílias, incluindo custos de remoção, reassentamento e construção de conjuntos habitacionais, exigiria um gasto de R$ 1,9 bilhão.
Como bom discípulo de Tarcísio, que acumula recordes de violência policial, Nunes também não hesitou em mandar a Guarda Civil Metropolitana (GCM) jogar bombas e atirar balas de borracha contra moradores que protestavam depois de enfrentar horas de fila sem conseguir obter o cartão auxílio de mil reais (valor que pouco ultrapassa o custo de uma única cesta básica na capital) e que perderam tudo.
Pelo jeito, o prefeito e o governador com os maiores orçamentos do país pretendem enfrentar à bala os problemas sociais e urbanos agravados pela crescente pobreza e a emergência climática. É a Rota nas ruas e a GCM nas escolas – estejam elas ocupadas por desabrigados ou por alunos do ensino fundamental.
SIte Oficial da AP