Para o atual secretário-executivo de Mudanças Climáticas da prefeitura de São Paulo, José Renato Nalini, a 30ª Conferência do Clima da ONU (COP30), que será realizada em novembro em Belém (PA), é "uma excelente ocasião para São Paulo consolidar a sua vocação de cidade-destino de milhões de turistas".
A declaração está em uma coluna de opinião assinada por Nalini e publicada em 30 de janeiro no portal do Sindicato dos Clubes do Estado de São Paulo, com o título "São Paulo e a COP30". No artigo, o titular da pasta argumenta que, por mais que o evento ocorra na Amazônia, o Brasil "precisa se aproveitar da oportunidade para mostrar sua realidade, que não é desprovida de atrativos".
Na visão do secretário, o principal ganho da cidade de São Paulo com a conferência é "oferecer sua estupenda infraestrutura para impressionar aqueles que ainda não a conhecem" – em outras palavras, gerar renda com o turismo.
Para Nalini, o fato de o Aeroporto de Guarulhos ser a principal conexão entre Belém e os maiores aeroportos do mundo é uma "vantagem paulistana".
"Ali chegarão os voos que trazem a participação internacional à COP. Se houver coesão entre as companhias aéreas, a rede hoteleira e o setor de turismo, não será difícil criar uma série de eventos paralelos, para que os sequiosos por conhecerem a realidade amazônica também verifiquem que São Paulo tem o que mostrar", afirma na coluna.
Não há nenhuma citação sobre a real finalidade da conferência da ONU: firmar acordos multilaterais para limitar o aquecimento do planeta e aumentar os esforços globais de enfrentamento das mudanças climáticas.
Por que isso importa?
- São Paulo é a maior cidade do país e extremamente vulnerável a extremos climáticos.
- Dados apontam que cidade tem 200 mil moradias em área de risco de deslizamento de terra.
O texto foi publicado menos de uma semana após a capital paulista ter sofrido grandes transtornos com um temporal no dia 24 de janeiro, a maior chuva já registrada na cidade durante o período de uma hora (82 mm), segundo o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet). Um homem morreu, diversas vias ficaram alagadas e um bairro inteiro ficou dias debaixo d'água, o Jardim Pantanal. Reportagem da Agência Pública mostrou que existem cerca de 200 mil moradias em área de risco de deslizamento de terra na capital.
Em outra coluna mais recente, publicada em 17 de fevereiro no Estadão com o título "O legado paulistano para a COP30", Nalini tratou da conferência de forma mais ampla, ressaltando o papel da Amazônia na regulação do clima global.
"Se a COP30 é a conferência da mata, São Paulo pode oferecer como legado a conferência da cidade", disse o secretário no texto. E repetiu o posicionamento em favor do turismo: "Aqui [em São Paulo], as dezenas de milhares de visitantes farão escala para embarcar em voos que os conduzam até Belém. É justo que a maior cidade brasileira ofereça alternativas para os estrangeiros que experimentarão o Brasil".
O vereador Nabil Bonduki (PT-SP) critica que o secretário possui mais uma função "decorativa" do que propositiva. "A Secretaria de Clima não mostrou até hoje a que veio. É importante que ela exista, mas não vejo uma atuação forte com as outras secretarias para tornar a mudança do clima uma prioridade da prefeitura."
O parlamentar avalia que o secretário deveria estimular reuniões entre universidades, empresários e outros setores da cidade para influenciar as decisões que serão tomadas na COP30, em vez de estimular o turismo.
"É lastimável falar que o turismo é o grande benefício que São Paulo pode ter com a COP. É mais uma evidência da falta de autoridade técnica do secretário", diz Bonduki.
Outra vereadora, que conversou com a Pública em caráter reservado, tem uma visão similar. "O turismo é o menor dos ganhos que São Paulo pode ter com a COP30. Seria muito mais relevante garantir que as delegações que eventualmente venham para a cidade conheçam os nossos desafios, pensem em projetos, ofereçam recursos e articulem ações para melhorar a qualidade de vida na maior cidade da América Latina", avalia.
"E fora que a maior parte das pessoas que vão para as COPs não estão a fim de fazer turismo, a não ser os lobistas. Todo mundo está interessado em garantir que as negociações tenham resultados positivos", acrescenta a parlamentar.
Sem experiência prévia, secretário de Clima de SP é o terceiro a ocupar posto
A Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas de São Paulo (Seclima) foi criada pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) em 2021. Por ser ligada à de Governo, a Seclima não possui orçamento próprio.
José Renato Nalini é o terceiro titular da pasta. O primeiro a chefiá-la foi Antonio Fernando Pinheiro Pedro, que pediu demissão em julho de 2023 após ter vindo à tona uma declaração sua negando a influência do aquecimento global sobre o planeta. O ex-vereador Gilberto Natalini o sucedeu e ocupou o cargo até janeiro de 2024.
O atual secretário não tem experiências prévias na área das mudanças climáticas. Nalini fez carreira em direito e foi desembargador, presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) e secretário estadual de Educação do governo de Geraldo Alckmin (PSDB à época).
Conforme a agenda pública disponibilizada pela Seclima, Nalini mantém compromissos oficiais ligados à sua antiga atividade profissional, como encontros com desembargadores e advogados.
Após a chuva recorde de 24 de janeiro, a reportagem não encontrou registros de compromissos com relação direta com o temporal. Nesse período, também não há postagens sobre o evento extremo em sua conta no Instagram.
No dia seguinte à chuva, 25 de janeiro, o secretário compareceu a três eventos voltados ao aniversário da cidade de São Paulo. No domingo, 26, participou de um ato em memória das vítimas do Holocausto.
Já na segunda-feira, 27, Nalini se reuniu com Miguel Ignatios, presidente da Associação dos Dirigentes de Vendas e Marketing. A Pública questionou o secretário sobre a finalidade do encontro e a relação com o tema das mudanças climáticas, mas não houve retorno até a publicação da reportagem.
Ainda no dia 27 de janeiro, Nalini esteve em uma reunião com o secretário das Subprefeituras, Fabrício Cobra, e do Verde e Meio Ambiente, Rodrigo Ashiuchi. Também há o registro de uma reunião interna da Seclima. A Pública tentou obter mais detalhes sobre ambos os compromissos com a secretaria, porém não teve respostas.
Em 28 de janeiro, o secretário recebeu na Seclima o desembargador Paulo Dimas, ex-secretário estadual de Justiça e Cidadania do governo de João Doria e ex-presidente do TJSP. No dia 29 de janeiro, ele participou de uma reunião "com representante da Uniregistral – Sr. Ivan", provável referência a Ivan Jacopetti do Lago, diretor acadêmico da instituição. A Uniregistral é a Universidade Corporativa dos Registradores de Imóveis, da qual o próprio Nalini é reitor.
Em 31 de janeiro, o secretário se reuniu com Tirso Meirelles, presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp). Já no dia 3 de fevereiro, Nalini se encontrou com "Turco Loco", apelido do ex-deputado estadual de São Paulo Alberto Hiar, e com representantes da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
Nalini já afirmou que o Estado é "babá" quando foi secretário de Alckmin
Nalini assumiu a Secretaria Estadual de Educação de Alckmin em janeiro de 2016, época em que a pasta estava sob grande pressão com o movimento das ocupações de escolas públicas em 2015.
Em um artigo publicado em abril de 2016 no próprio site do governo, o atual secretário de Mudanças Climáticas de São Paulo defendeu a noção de que o Estado deve ser mínimo e afirmou que "a proliferação de direitos fundamentais causou a trivialização do conceito de direito".
No texto, Nalini disse que "vive-se a paranoia de um Estado a cada dia maior. Inflado, inchado, inflamado e ineficiente". "Desde o pré-natal à sepultura, tudo tem de ser oferecido pelo Estado." Em suas palavras, tudo isso está ligado a um "Estado-babá".
As declarações geraram críticas que resgataram outra fala polêmica de Nalini, de 2014: a defesa de um auxílio-moradia para juízes no valor de R$ 4,3 mil, como forma de compensação pelos gastos com vestuário.
SIte Oficial da AP