Cannes (França) — Depois de ter sido premiado com o prêmio principal da mostra Um Certo Olhar com A Vida Invisível, em 2019, e de ter sido selecionado para a competição oficial com a produção internacional Firebrand, em 2023, ainda inédito no país, o cearense Karim Aïnouz levou o Brasil de volta à competição oficial com Motel Destino.
Cannes (França) — Depois de ter sido premiado com o prêmio principal da mostra Um Certo Olhar com A Vida Invisível, em 2019, e de ter sido selecionado para a competição oficial com a produção internacional Firebrand, em 2023, ainda inédito no país, o cearense Karim Aïnouz levou o Brasil de volta à competição oficial com Motel Destino. A produção é a volta do diretor, que hoje reside na Alemanha, à sua terra natal, uma década após as filmagens de Praia do Futuro, em 2014, e tem no elenco Fábio Assunção, ao lado dos estreantes Iago Xavier e Nataly Rocha.
O Motel Destino é o local onde se esconde Heraldo, em razão da morte do irmão Jorge colocar Bambina, a chefe do crime na região, à sua procura para o acerto de contas. Ele é acolhido relutantemente por Dayane, que gerencia o estabelecimento de beira de estrada com o companheiro, Elias, um sujeito cujo carisma da juventude deu lugar ao temperamento abusivo. Heraldo é prestativo e, quando menos espera, já está integrado na equipe do motel, quando inicia um relacionamento tórrido com Dayane, prestes a ser descoberto.
O roteiro de Motel Destino é direto, não há meias-palavras e as ações e intenções dos personagens estão claras. Heraldo é um jovem em trânsito, à procura de uma oportunidade para recomeçar a vida. Dayane é uma mulher em um relacionamento abusivo que encontra, no amante, um cúmplice para colocar em prática a ambição de tirar a vida do marido e assumir o motel. O encontro inesperado – iniciado com a ameaça de Heraldo – destes personagens condenados ao inferno calorento de Karim Aïnouz é a oportunidade para que o destino de suas vidas seja alterado.
Motel Destino - cannes Motel Destino - cannes 1 Motel Destino RED 0Inferno não é uma escolha equivocada de palavra, pois Motel Destino é a obra mais fervente de Aïnouz. A paleta de cores incrivelmente saturada está combinada com a direção de arte kitsch ou brega do motel – que parece uma entidade viva em virtude dos gemidos de prazer que preenchem a rotina diária dos personagens. Enquanto isto, a iluminação acentua a percepção do calor, e também do desejo, e a impressão é de que a pele de Heraldo e Dayane esteja em chamas, como se houvesse permanecido algumas horas sob o sol nordestino.
Desse modo, Motel Destino abraça o “erótico” visualmente. O filme é quente e ponto, e o sexo é a maneira com que estes personagens amaldiçoados reassumem o controle de corpos que temporariamente não lhe pertencem. O de Heraldo, porque está jurado de morte; o de Dayane, pela ameaça e violência cometida por Elias. O sexo é um ato de resiliência, inclusive de liberdade e empoderamento, e domina a imagem como qualquer um poderia esperar de uma obra ambientada em um motel sobre um triângulo amoroso.
Quem une thriller e erótico, metades cinematograficamente complementares, é o ato do voyeurismo, o prazer de controlar, mediante o olhar, a vida dos outros. Elias espia os frequentadores do motel através de um espelho de duas faces, enquanto Moco assiste, pelas câmeras de vigilância, às escapadas de Heraldo e Dayana. E, nós, espectadores, somos os voyeurs principais, assistindo desinibidamente à trama e aos personagens. Contudo, o thriller não dá match, não tem tesão. O suspense é menos ansiedade e mais impaciência, à espera de como e quando Elias descobrirá sobre a traição e como os personagens reagirão, com uma conclusão análoga a um gozo interrompido, encerrada abruptamente com um diálogo frustrante de Heraldo.
Por falar nele, a inexperiência de Iago Xavier é percetível, mas contornada com a habilidade da direção de atores de Aïnouz e o auxílio dos mais experientes Nataly Rocha e Fábio Assunção, que transforma Elias em um personagem complicado que acolhe Heraldo na mesma proporção com que oprime e destrata Dayane. A cor com que o roteiro tinge Elias permite percepções interessantes, de um sujeito infeliz em razão da sexualidade reprimida — há a tensão palpável de sua parte com Heraldo — e em relação ao qual apenas podemos imaginar quais caminhos o levaram ao Ceará.
Com um ritmo relativamente frouxo, como se demorasse demasiadamente nas preliminares, Motel Destino é como um encontro com uma pessoa atraente, mas sem pegada.
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