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“Subestimamos os efeitos nocivos e devastadores sobre o que isso causa à população brasileira. É como se a gente tivesse aberto as portas do inferno, não tínhamos noção do que isso poderia causar”, disse na quarta-feira passada (25) a deputada federal Gleisi Hoffmann à Folha de S.Paulo.
A presidente do PT se referia às atuais regras para apostas online, aprovadas no Congresso com apoio de seu partido e da base aliada do governo no final do ano passado. Segundo a Confederação Nacional do Comércio (CNC), apostas online deixaram um total de 1,3 milhão de brasileiros inadimplentes no primeiro semestre deste ano.
Em Nova York, depois de abrir a Assembléia Geral da ONU na terça-feira de manhã (24), o presidente Lula também falou sobre as bets. No dia anterior, o Banco Central havia divulgado um estudo mostrando que 24 milhões de brasileiros gastaram R$ 20,8 bilhões em apostas apenas em agosto de 2024 e considerando apenas os valores transferidos via pix.
Entre eles, 5 milhões de beneficiários do Bolsa Família que apostaram juntos R$ 3 bilhões – 20% do montante do programa social que é a vitrine do governo.
“Estamos percebendo no Brasil o endividamento das pessoas mais pobres tentando ganhar dinheiro, fazendo aposta. É um problema que vamos ter que regular, senão daqui a pouco vamos ter cassino funcionando dentro da cozinha de cada casa”, afirmou o presidente.
Uma preocupação que soaria legítima se os esforços para regulamentar os jogos online não tivessem partido justamente do governo federal, sob liderança do Ministério da Fazenda (interessado em aumentar a arrecadação), e resultaram na criticada legislação em vigor desde o ano passado.
Vamos nos deter em três pontos de responsabilidade do governo federal, aquela responsabilidade que Lula disse que não "terceirizar" quando se referiu aos incêndios florestais em seu discurso na ONU.
A Rede Globo, por exemplo, já anunciou parceria com a MGM Resorts, uma das maiores empresas de cassinos do mundo, para explorar as apostas online, colocando-se como sócia minoritária para driblar a lei e oferecendo como contrapartida sua imensa estrutura em todo o país.
Será que ainda vamos ter um BBBet com a torcida por participantes se transformando em apostas pagas?
Uma situação constrangedora também para os jornalistas da emissora, obrigados a atribuir, em suas reportagens, os perigos das apostas apenas ao mercado ilegal – como se o problema social fosse abolido nas modalidades regulamentadas, como relatou o jornalista Daniel Castro no Notícias da TV. SBT e Bandeirantes também estão armando seus próprios esquemas.
Gleisi, que é autora de um PL que proíbe a propaganda das bets, agora promete convencer o presidente da Câmara, Arthur Lira, a rever a atual regulamentação. "Precisamos fazer alguma coisa neste ano, temos que ter noção do que causamos, a nossa responsabilidade, e o que pode ser feito. Isso também é responsabilidade do Congresso", disse à Folha.
Espero que o governo federal assuma a mesma postura e se debruce seriamente nesta questão antes de janeiro de 2025, quando a legislação completa, com algumas melhorias, entrará em vigor.
Chega de fingir surpresa com problemas previstos, como já aconteceu diante da estiagem severa que facilitou os incêndios em todo o país.
Não é preciso ter bola de cristal para prever que em um país com desigualdade e pobreza obscenas, como gosta de destacar o próprio presidente Lula, com grande presença na internet e regulamentação precária, as apostas online têm um gigantesco potencial de estrago.
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