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Caiu como um balde de água fria sobre todo mundo que se preocupa de verdade com o futuro da Amazônia a proposta da Comissão Europeia de adiar por um ano a implementação da lei anti desmatamento, que deveria entrar em vigor em 30 de dezembro.
O Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento da União Europeia (EUDR), que virou lei em abril do ano passado, proíbe a compra e a revenda de produtos como carne bovina, cacau, café, dendê, soja, borracha e madeira que tenham origem em áreas desmatadas – de forma ilegal ou legal (e aqui mora o problema) –, a partir de dezembro de 2020.
Pela lei, as empresas que comercializam esses produtos precisam fornecer dados de geolocalização dos fornecedores para provar que eles são livres de desmatamento.
A justificativa para adotá-la foi climática. A União Europeia argumentou que isso era essencial para conter a perda das florestas – protegendo assim essas regiões que são importantes para absorver carbono da atmosfera –, mas também porque os cidadãos não queriam mais consumir produtos que causem esses danos.
Festejada por ambientalistas como um importante mecanismo de mercado para ajudar a conter o desmatamento em florestas tropicais, como a Amazônia, a lei rapidamente atraiu críticos de setores produtivos não só de países como Brasil e Indonésia – que têm florestas –, mas também de países desenvolvidos, como os Estados Unidos, e até mesmo do bloco europeu, como a Alemanha.
Muita gente viu na medida um protecionismo ao agronegócio europeu. E nas últimas semanas, com a proximidade do fim do ano, foi intensificada a movimentação para tentar adiá-la. No caso dos EUA e da Alemanha, houve também uma pressão de falar que as empresas precisavam de mais tempo para adequar seus mecanismos de monitoramento.
A gritaria maior, no entanto, veio dos países produtores de commodities – ou seja, do agronegócio. Brasil encabeçando a lista. Mas não apenas pela voz dos produtores, mas do próprio governo.
No começo de setembro, os ministros das Relações Exteriores e da Agricultura, Mauro Vieira e Carlos Fávaro, enviaram uma carta à cúpula da União Europeia (UE) pedindo a não implementação da lei. Eles alegaram, em consonância com o setor nacional, que a medida afetaria nossas exportações para a região.
Disseram que a lei é um instrumento "unilateral e punitivo" e que vai contra a própria legislação nacional – uma vez que o Código Florestal prevê a possibilidade de desmatamentos legais. Nenhuma palavra sobre o fato de que o governo Lula prometeu acabar com o desmatamento até 2030 (sem fazer distinção se legal ou ilegal).
Na semana passada, durante a Climate Week, em Nova York, o presidente Lula reforçou o pedido em encontro com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen. Mas logo na sequência a União Europeia informou à Organização Mundial do Comércio que não cederia, manteria o cronograma e poria a lei para vigorar no fim do ano.
Nesta quarta-feira (2), porém, o grupo voltou atrás e anunciou a proposta de adiamento de um ano para grandes empresas e de um ano e meio para micro e pequenas empresas. A decisão ainda precisa ser aprovada no Parlamento Europeu pelos países do grupo, mas já se imagina que isso vai passar ou, pior, que a lei pode caducar – o que gerou fortes críticas de ambientalistas em todo o mundo como um sinal de enfraquecimento de medidas relevantes para o combate ao aquecimento global.
O Observatório do Clima, rede de organizações não governamentais do Brasil, chegou a enviar uma carta à Ursula von der Leyen depois do comunicado dos ministros clamando para que a lei não fosse adiada. Na ocasião, eles alegaram que o manifesto de Vieira e Fávaro "sabotam a liderança climática do Brasil".
Disseram também que "o Brasil tem plena capacidade de se beneficiar dessa legislação, que apenas implementa algo com que já se comprometeu – de forma soberana, por reconhecer que o desmatamento é ruim para o país, e temos áreas degradadas em quantidade suficiente para multiplicar a produção agropecuária com mais tecnologia, produtividade e valor agregado, sem necessidade de nenhum desmate".
Nesta quarta, após o envio da proposta da Comissão Europeia, o grupo reagiu: "Na melhor hipótese, o movimento desmoraliza a UE; na pior, a comissão assume o risco de jogar fora três anos de trabalho na construção da lei, já que agora tanto o Parlamento Europeu quanto o Conselho da Europa, de maioria conservadora, têm a possibilidade de enfraquecer a EUDR até torná-la inócua".
A reação foi forte também no ambientalismo internacional. Sébastien Risso, diretor de política florestal da UE do Greenpeace, disse que Von der Leyen "poderia muito bem ter empunhado ela própria a motosserra" e complementou: "As pessoas na Europa não querem produtos de desmatamento nas prateleiras dos supermercados, mas é isso que este atraso lhes proporcionará".
3,5 milhões de hectares deixaram de ser floresta e viraram pasto em 3 anos
Os dados mostram que o desmatamento para fins produtivos continua sendo uma realidade. O MapBiomas, plataforma que monitora as mudanças no uso do solo no Brasil, divulgou nesta quinta-feira (3) um cálculo de que mais de 90% do que foi desmatado na Amazônia entre 1985 e 2023 foi transformado em pasto. Nesse período, a área de pastagem cresceu mais de 363%. Atualmente, 14% da Amazônia é pasto.
Eu pedi aos pesquisadores que medissem quanto foi essa transformação apenas nos últimos três anos – que é exatamente o período que seria impactado pela EUDR (os produtos têm de ser livres de desmatamento a partir de dezembro de 2020). E veja só: entre 2021 e 2023, a área de pastagem na Amazônia aumentou em 4,3 milhões de hectares. Desse total, a maior parte – 3,5 milhões – foi de conversão de floresta para pasto.
Ou seja, caso não tenha ficado claro: é desmatamento feito para abrir pasto para alimentar gado que depois, nada impede, pode ser exportado para virar comida de europeu.
Quem colocou os boizinhos ali obviamente não quer nem saber de uma lei que impeça isso. E depois o agronegócio não gosta de ser criticado como antiambiental.
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