É falso que um suposto laudo médico divulgado nas redes por Pablo Marçal (PRTB) prova que Guilherme Boulos (PSOL) foi internado em uma clínica em São Paulo, em 2021, após um surto psiquiátrico por uso de cocaína.
É falso que um suposto laudo médico divulgado nas redes por Pablo Marçal (PRTB) prova que Guilherme Boulos (PSOL) foi internado em uma clínica em São Paulo, em 2021, após um surto psiquiátrico por uso de cocaína. Há fotos e vídeos de Boulos participando de compromissos públicos nas datas em que teria sido internado. Além disso, o documento apresentado por Marçal contém erros formais que colocam em dúvida sua veracidade: o número de RG de Boulos está com um dígito a mais, o nome da clínica está errado e há erros gramaticais básicos.
O documento foi publicado na conta de Marçal no Instagram na noite desta sexta-feira (4) e acumulava mais de 380 mil curtidas antes de ser apagado. Reproduções, no entanto, acumulam milhares de curtidas e compartilhamentos.
Não é verdade que um documento divulgado nas redes por Pablo Marçal prova que Guilherme Boulos foi internado após um exame toxicológico apontar uso de cocaína. O suposto laudo médico possui indícios de manipulação:
O RG de Boulos está errado. Há um dígito a mais do que o do documento original do candidato (confira aqui);
O nome da clínica também está incorreto: de acordo com o registro do CNPJ e com sua própria página no Instagram, o estabelecimento se chama Mais Consultas, e não Mais Consulta, no singular, como consta;
O texto também contém erros de português, como "por minha [mim] atendido" e "apresentou com quadro de surto psicótico grave".
Entre a madrugada e a manhã deste sábado, outros veículos de imprensa apontaram mais indícios de manipulação:
O UOL mostrou que a assinatura presente no documento não condiz com a verdadeira, que pode ser encontrada em um processo do TJ-SP;
O Globo entrevistou a ex-secretária do médico citado, morto em 2022, e ela disse que o profissional de saúde nunca trabalhou na clínica citada;
A Folha de S.Paulo identificou ainda que o logotipo usado no papel timbrado é de uma clínica em Manaus, não em São Paulo.
Cerca de duas horas depois de publicado, o post de Marçal foi deletado do Instagram pela Meta. Na manhã de sábado (5), a Justiça Eleitoral ordenou que Google, Facebook e Bytedance — empresa responsável pelo TikTok — suspendam as publicações com o documento, incluindo a entrevista de Marçal ao Inteligência Ltda.
Desde o início da campanha, Marçal acusa Boulos sem provas de ser usuário de cocaína. O candidato do PRTB divulgou o suposto laudo médico em suas redes durante uma entrevista ao podcast Inteligência Ltda., na qual voltou a atacar o adversário.
Ao mencionar o documento, Marçal afirma que ele provaria uma "entrada com problema de dependência química". "É um negócio que ele tenta esconder a qualquer custo", ele continua. "É internação. E na internação constata que ele entrou por isso [uso de cocaína]."
Momentos depois do post de Marçal, Boulos publicou um vídeo em suas redes para desmentir o documento. Segundo ele, o responsável da clínica, Luiz Teixeira da Silva Junior, seria apoiador de Marçal. De fato, registros no Instagram mostram o médico ao lado do candidato do PRTB.
Outro ponto citado por Boulos no vídeo é que o médico que supostamente assina o laudo teria morrido dois anos atrás. Em busca no site do CFM (Conselho Federal de Medicina), Aos Fatos verificou que o cadastro do ortopedista José Roberto de Souza está inativo desde abril de 2022 e que o médico consta no sistema como "falecido".
O psolista também alega que participou de um ato público logo depois da data. De fato, há vídeos de Boulos no Instagram e no Facebook nos dias 19 e 20 de janeiro de 2021 (veja abaixo). Uma foto publicada por um apoiador mostra Boulos na tarde do dia 19, quando a internação supostamente teria acontecido.
Em agosto, a Justiça Eleitoral multou Marçal em R$ 30 mil por postagens que associavam Boulos ao consumo de drogas. "O TRE determinou que se eu chamasse ele de cheirador, eu tinha que pagar R$ 30 mil", ele reforçou durante a entrevista na noite desta sexta-feira (4), antes de divulgar sua chave Pix e pedir doações.
Leia a íntegra da nota de Guilherme Boulos
O documento publicado por Pablo Marçal é falso e criminoso e ele responderá e arcará com as consequências em todas as instâncias da Justiça — eleitoral, cível e criminal. Uma atitude inaceitável de quem prova não ter limites em sua capacidade de mentir.
Marçal mostra mais uma vez ser um criminoso recorrente, que usa de mentiras absurdas para atacar a honra e a reputação e tentar promover uma manipulação sem precedentes no processo eleitoral.
Não podemos normalizar esse tipo de método que já colocou em xeque a nossa democracia no passado recente e que, agora, ameaça a normalidade destas eleições.
Marçal pagará pelos seus crimes.
Aos Fatos tentou entrar em contato com a clínica Mais Consultas, mas, como a publicação foi feita após o horário comercial, o estabelecimento já havia fechado. Na manhã de sábado (5), a reportagem tentará procurá-los novamente.
ATUALIZAÇÃO: Este texto foi atualizado às 10h57 de 5.out.2024 para incluir mais provas de que o documento é falso e a informação de que a Justiça Eleitoral ordenou a suspensão das publicações de Marçal.
Aos Fatos estava acompanhando o podcast Inteligência Ltda. ao vivo. Quando Marçal publicou o documento, a reportagem enviou o suposto laudo à assessoria de Boulos.
Enquanto aguardava resposta, a reportagem analisou os dados presentes no documento e notou uma inconsistência no número do RG de Guilherme Boulos. Em busca de outros indícios, verificamos que o nome da clínica responsável pelo laudo estava escrito incorretamente.
Em consulta ao site do CFM, a reportagem constatou ainda que José Roberto de Souza, médico responsável pelo laudo, consta no sistema como falecido. Aos Fatos ainda tentou contato com a clínica, sem sucesso.
A assessoria de Boulos também encaminhou à reportagem indícios que mostravam uma possível proximidade entre o dono da clínica Mais Consultas e Pablo Marçal e posts que atestavam que Boulos havia aparecido em público nos dias seguintes à suposta internação.
Ao final da apuração, Aos Fatos entrou em contato com a assessoria de Pablo Marçal para que pudessem comentar a checagem.
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