Em um período de dois anos, a corretora Ana Carolina Junqueira, de 51 anos, já assistiu 53 dramas sul-coreanos.
Em um período de dois anos, a corretora Ana Carolina Junqueira, de 51 anos, já assistiu 53 dramas sul-coreanos. Hoje, ela confessa que abandonou as novelas do Brasil e consome mais doramas, termo referente aos dramas produzidos no país do sudeste asiático.
“Os k-dramas prendem a atenção da gente de um jeito que é justamente o inverso do que as novelas brasileiras estão fazendo hoje. [As novelas] têm cenas de sexo muito fortes, eu não gosto. Os doramas têm cenas meigas e inocentes, que prendem a atenção do espectador. Os doramas têm uma narrativa divertida de romance que, hoje em dia, nem Hollywood tem mais", comenta a corretora.
Além disso, outros motivos para esse abandono são a falta de desenvolvimento das histórias e ganchos para manter o espectador interessado, explica a corretora. Vale lembrar que os formatos costumam apresentar durações diferentes: enquanto os doramas têm cerca de 16 episódios, as novelas lançam capítulos todos os dias da semana durante, em média, seis meses.
Esta também é a visão da estudante Sophia Elizabeth Vieira, de 20 anos: “Nas novelas, nós temos histórias muito prolongadas com vários núcleos. Enquanto nos doramas, há uma história mais reta, com personagens bem desenvolvidos, expressivos e dramáticos. Acho que isso gera um melhor aproveitamento da história em si, porque nas novelas é muito fácil se perder".
Apesar do atual cenário, um dos fatores que leva os brasileiros a consumirem os doramas é, justamente, a relação do país com as novelas. Os dois formatos usam o melodrama nas narrativas. Mas, a forma com que as histórias são construidas são diferentes por conta das culturas.
Sofia, que cresceu assistindo tanto a novelas mexicanas quanto brasileiras, acredita que pode haver uma influência inconsciente em seu consumo de doramas, que começou em 2017. Segundo ela, embora existam diferenças culturais, o melodrama presente em ambos os formatos é um elemento comum que facilita a aceitação das produções asiáticas pelo público brasileiro. Essa análise é reforçada por Ligia Prezia Lemos, pesquisadora do Grupo de Estudos Linguagens e Discursos nos Meios de Comunicação (GELiDis), da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
"A estrutura do k-drama é muito agradável para os brasileiros porque somos 'alfabetizados pela telenovela'. A gente chama de literacia midiática do brasileiro, que sabe ver novela, sabe o que esperar e entende como funciona o mecanismo. Tem a mocinha, o herói, o vilão e tem até o núcleo cômico da telenovela brasileira [nas produções sul-coreanas]", afirma a pesquisadora.
“No entanto, assim como Ana e Sophia, muitas pessoas têm demonstrado uma rejeição crescente às novelas tradicionais, enquanto o consumo de k-dramas e outras produções asiáticas disparou. Segundo um estudo da Netflix, o consumo de doramas sextuplicou entre 2019 e 2022. Ao mesmo tempo, Mania de Você, a nova aposta da Globo, teve a pior audiência de estreia da história da emissora.
‘Não quero mais assistir novela de jeito nenhum, a ponto de ter antipatia até da própria emissora. Se eu voltasse a assistir alguma, seriam novelas leves, bem diferentes do que a Globo faz hoje’, afirma Ana.”
11 imagensDivulgaçãoLim Hyo SeonStreaming Brasil/ReproduçãoTeoria Geek/ReproduçãoDivulgaçãoDivulgação/Paramount+Reprodução/ Redes Sociais DivulgaçãoReproduçãoReprodução/GloboDivulgação“O primeiro contato de Ana com o universo dos k-dramas foi com Pousando no Amor, na Netflix. Apesar de estranhar no início, ela continuou assistindo por incentivo da filha. Hoje, Ana brinca que não dorme nem janta até terminar um episódio.
‘A gente fica naquela expectativa: quando eles vão se beijar? Quando vão começar a namorar? Quando vai ter um final feliz?’, conta Ana. Entre os vários gêneros explorados nos doramas, seus favoritos são os romances engraçados, que têm forte influência do melodrama.
Essa expectativa é explicada por Giovana S. Carlos, pesquisadora de cultura pop: ‘Os k-dramas não seguem uma narrativa linear, e isso cria ganchos que mantêm o espectador preso à tela. É uma temporalidade que te faz querer saber o que vai acontecer a seguir’.
Giovana acrescenta que o uso do POV (Point of View), em que o episódio termina sob a perspectiva de um personagem e o próximo começa com o ponto de vista de outro, é uma técnica que prende ainda mais a atenção.
Para mudar essa dinâmica, a especialista sugere que as novelas incorporem alguns desses elementos dos dramas asiáticos. ‘Se as telenovelas adotassem essas técnicas, elas ganhariam muito em narrativa. Mesmo quem não assiste aos k-dramas poderia gostar desse novo formato’, conclui.”
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