O governo do estado de São Paulo se recusou a fazer um evento público de pedido de desculpas a familiares de desaparecidos políticos durante a ditadura militar, em relação à vala clandestina de Perus, localizada no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo.
O governo do estado de São Paulo se recusou a fazer um evento público de pedido de desculpas a familiares de desaparecidos políticos durante a ditadura militar, em relação à vala clandestina de Perus, localizada no Cemitério Dom Bosco, em São Paulo. O local foi usado por agentes da ditadura para desovar corpos de opositores do regime e até de crianças vítimas de um surto de meningite que os militares queriam ocultar.
Em vez de fazer o pedido de desculpas público, como estava sendo combinado em audiências de conciliação mediadas pela Justiça Federal, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP) informou que iria apenas divulgar uma nota por escrito em seus canais oficiais na internet. A decisão foi publicada nesta quinta-feira, 5 de dezembro, no Diário Eletrônico da Justiça Federal.
“A posição do Estado é de que não se faz necessária a realização de uma cerimônia", disse a procuradora Ana Paula Vendramin, da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo (PGE), de acordo com a ata da audiência, ocorrida no último dia 3. Ela também pediu 60 dias para o estado definir quando a nota seria divulgada. A reportagem procurou o governo de São Paulo, que não respondeu até a publicação.
A posição revoltou representantes do Ministério Público Federal (MPF), familiares de vítimas e até o juiz responsável pelo caso, Eurico Zecchin Maiolino, que a considerou um retrocesso em relação a tudo "àquilo que vinha sendo construído durante todo o último semestre nas audiências", segundo o registro em ata.
"A publicidade que se daria sobre o texto apenas nas redes sociais é insuficiente. É muito mais circunscrito a que haja uma leitura do pedido por uma figura de relevância", disse o juiz. "Aguardava-se para fechar o acordo apenas a indicação do Estado de como isso seria feito e fomos surpreendidos com um passo atrás do Estado, solicitando prazo de 60 dias para dizer como será feito, o que revela dúvida quanto à própria concordância do Estado ao pedido de desculpas."
"Faz parte da ideia de se pedir desculpas que esse pedido se dirija a alguém, não só aos familiares, mas à sociedade como um todo, que tem o direito de saber, de ver revelada a verdade sobre o que aconteceu com esses remanescentes e a forma como foi conduzido esse trabalho durante todos esses anos", continuou Maiolino.
Na mesma audiência, representantes do Ministério dos Direitos Humanos do governo federal aprovaram a nota [veja a íntegra] que será lida em um evento público no dia 24 de março de 2025, o "Dia da Memória, pela Verdade e pela Justiça", no cemitério Dom Bosco. O pedido de desculpas também será veiculado no site do ministério em formato de banner fixo, além das redes sociais e divulgação à imprensa.
A representante do MPF, ainda segundo a ata da audiência, disse que não há justificativa para o governo de São Paulo recusar o evento e que "não haveria um custo vultoso a inviabilizar sua realização", e que por isso quer que o caso deixe ser tratado como conciliação e seja decidido por julgamento. O estado poderia escolher entre participar da cerimônia que será realizada pelo MDH ou fazer outro próprio.
Em resposta, um advogado da PGE disse que "para o Estado, sempre há interesse na composição desses litígios, mas não houve, neste caso, autorização para prosseguir com relação a essa questão específica da cerimônia."
Hanya Pereira, filha de Hiran Pereira, jornalista desaparecido na ditadura, disse que "não se trata de uma carta íntima do Estado para si mesmo, é uma carta pública. As pessoas tiveram seus familiares sequestrados, torturados, mortos, sepultados como ninguém, e, se não fosse a providência divina, até hoje não se saberia a localização de pelo menos quatro ou cinco já identificados nessa vala."
Crimeia de Almeida, ex-militante que foi presa e torturada grávida de sete meses, apontou ser lamentável a atitude do estado de São Paulo. "Não há razão, cinquenta e tantos anos depois, para tal recusa", disse. “Criar problema agora com um pedido de desculpas revela se a intenção de fato do Estado de São Paulo é mesmo pedir desculpas."
O juiz pediu para os advogados da PGE voltarem com uma resposta definitiva do governo. Uma das advogadas disse que tem “receio de criar uma expectativa e retornar com a resposta negativa com relação ao tema, que, ao que consta, já está decidida". Ela pediu para que pudesse enviar a resposta por e-mail, mas o pedido foi negado pelo juiz, que disse que seria importante que a resposta fosse dada na presença de todos.
O cemitério clandestino só foi descoberto em 1990, num terreno onde supostamente não havia ninguém enterrado. Foram identificadas 1.049 sacos de ossadas de pessoas enterradas como indigentes ou com nomes trocados, sendo 31 de crianças. Até agora, foram identificados os restos mortais de cinco pessoas que estavam dadas como desaparecidas. A próxima audiência está marcada para fevereiro.
Os trabalhos de identificação das ossadas foram parados por falta de verba durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, que sempre criticou as buscas por desaparecidos políticos e já falou que "quem procura osso é cachorro". A ex-ministra de Direitos Humanos Damares Alves também já disse, sobre Perus, que "não dá para viver de cadáveres”.
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