"Meu pai, um trabalhador inválido da construção civil; minha mãe faleceu no chão de fábrica. E ambos já não estão mais aqui. [â¦] Logo cedo, as jornadas exaustivas me deixaram sem o convívio familiar e a própria sorte no mundo." O relato da advogada trabalhista do movimento Vida Além do Trabalho (VAT), Patrícia Shimano Ikuno, foi apenas um dos que comoveram os participantes da audiência pública sobre a escala 6Ã1 e a proposta de redução para jornadas 4Ã3 realizada nesta semana na Câmara dos Deputados.
A defensora conta que a mãe, que trabalhava em uma fábrica no Japão, precisava sustentar a casa no Brasil, pois o marido, pai de Ikuno, era inválido. Ela convivia com o medo constante de perder o emprego, que a ocupava seis dias por semana e, sem poder faltar ao expediente, não tinha tempo para cuidar da saúde. "E ela nem podia fazer isso, ela precisava levar o sustento para dentro de casa. As famílias aqui no Brasil, muitas, enfrentam a mesma situação", lembrou.
A proposta em discussão no Brasil seria a de reduzir a atual carga de 44 horas semanais para 36, o que poderia viabilizar três dias semanais de descanso. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), da deputada Erika HIlton (PSOL-SP), já teve apoio de quase 3 milhões de pessoas que assinaram uma petição pública sobre o projeto, protocolado em 1º de maio, Dia do Trabalhador.
"Nós estamos promovendo essa discussão pela dignidade da vida do trabalhador. Nós estamos promovendo essa discussão porque uma vida foi dificultada, sucateada, vulnerabilizada, sonhos e projetos particulares foram abandonados para que se colocasse o arroz e o feijão em cima da mesa", afirmou a deputada durante a audiência.
Diretora brasileira da comunidade 4 Day Week Global, organização sem fins lucrativos que promove a adoção da semana de trabalho de quatro dias ao redor do mundo, Gabriela Brasil explica que, para além do tempo de descanso, o debate beneficia também a produtividade no trabalho.
"Nos países em que a redução da jornada já foi testada, a gente tem estudos que têm benefícios claros em várias áreas, como a sustentabilidade humana, incluindo saúde física, saúde mental, a sustentabilidade econômica. [É um projeto] que aborda uma preocupação, que pode ser implementado sem comprometer a produtividade, sem aumentar os custos", afirma a pesquisadora.
Dois lados na defesa da saúde econômica
Deputados da oposição estiveram presentes no plenário e criticaram a PEC, que, segundo o deputado delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), não teria estudos prévios e poderia elevar os preços do setor de serviços para o consumidor. "Aquele serviço que custava X vai passar a custar X mais. Por que ele vai custar X mais? Porque existe um gasto maior na contratação daquele funcionário. [â¦] Esse a mais, esse X a mais, que vai ser repassado para o consumidor", disse o deputado, que deixou o plenário sob vaias do público presente.
Guilherme Boulos (PSOL-SP), por outro lado, defendeu que é necessário pensar como não prejudicar pequenos e médios empreendedores, mas que a oposição se utiliza desse público para tentar impedir a aprovação do projeto.
"Às vezes, na política, não é tão nítido a gente perceber o lado de cada um, porque os discursos se confundem, porque nem sempre aquele que tem lobby com grandes empresários, que está aqui para defender grandes interesses, deixa isso claro. [â¦] Você separa o joio do trigo quando entra uma pauta concreta, objetiva, que quem defende o trabalhador está de um lado, quem é contra o trabalhador está do outro", afirmou. A PEC segue em discussão na Câmara e ainda não tem data para ser votada.
SIte Oficial da AP