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Com linearidade, Netflix enfrenta desafio de adaptar "Cem Anos de Solidão"

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo” – é assim que o escritor Gabriel García Márquez abre o romance “Cem Anos de Solidão“.

Por Em Sergipe

11/12/2024 às 05:44:48 - Atualizado há
Foto: CNN Brasil

“Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo” – é assim que o escritor Gabriel García Márquez abre o romance “Cem Anos de Solidão“. E com essa mesma frase que o narrador começa a adaptação da obra em formato de série que chega ao serviço de streaming nesta quarta-feira (11).

Durante sua vida, Márquez resistiu para que o filme fosse adaptado para o cinema ou pela TV. O autor tinha o desejo de que sua comunicação com quem consumisse a sua obra fosse apenas através das palavras. Agora, com a produção executiva dos filhos de García Márquez, Gonzalo García Barcha e Rodrigo García – e, portanto, com apoio da família do autor – a Netflix conseguiu o que nenhum estúdio tinha conseguido até então.

Publicado em 1967, o livro do ganhador do Prêmio Nobel de Literatura Gabriel García Márquez segue as gerações da família Buendía ao longa da fundação da cidade de Macondo e diversos acontecimentos, usando o gênero de realismo fantástico para a obra que é um dos maiores lançamentos literários do século XX.

O livro foi transformado na série com 16 episódios no total, dividida em duas partes. Dirigida por Alex García López (“Narcos” e “The Witcher”) e Laura Mora (“Os Reis do Mundo”), a série conta nomes como Marleyda Soto, Claudio Cataño e Diego Vásquez (José Arcadio Buendía no elenco.

O desafio de adaptar “Cem Anos de Solidão”

Com cinco gerações e quase 30 pessoas na família Buendía, a Netflix fez uma escolha acertada ao tratar a história de maneira linear para que o público consiga acompanhar os personagens e o desenvolvimento de Macondo. No livro, Márquez usa de forma genial saltos temporais e a estrutura narrativa para detalhar as crônicas da família, mas a mudança para a adaptação consegue dar o tom para que a história seja entendida e acompanhada sem precisar consultar a árvore genealógica constantemente.

Dessa forma, o público consegue acompanhar cronologicamente os acontecimentos da família, desde a saída de Úrsula e José Arcádio de sua vila e a busca até Macondo. Um ponto abordado é até o fantasma de Prudencio Aguilar, que Arcádio matou durante uma rinha de galos.

Além disso, o seriado utiliza o narrador para que os elementos literários sejam levados ao audiovisual. Como disse a consultora de roteiro María Camila Arias, “o narrador vai para onde as imagens não conseguem chegar, mas a literatura consegue".

Ao abrir a série com a mesma frase que abre as páginas do livro, os leitores de Gabriel García Márquez – ou Gabo, para os íntimos – são tomados pelo sentimento de comoção de quem se envolveu emocionalmente com a obra considerada a principal do ganhador do Nobel.

Um livro que utiliza artifícios literários de forma bem construída é um desafio para virar filme, série ou até peça de teatro. Resumir as páginas – que na edição brasileira publicada pela Editora Record são 432 – que abordam tantos personagens e acontecimentos é um desafio que pode ser facilmente fadado ao erro. Por isso a resistência de Gabo e de sua família em deixar que a obra fosse adaptada.

Segundo material divulgado pela Netflix, Rodrigo García, filho de García Márquez, reforçou que o pai costumava dizer que “se fosse possível filmar ‘Cem Anos de Solidão’ em várias horas, em espanhol e na Colômbia, talvez ele considerasse a ideia”.

Susana Morales como Úrsula e Marco Antonio González como José Arcadio Buendía no casamento dos dois em “Cem Anos de Solidão” • Mauro González/Netflix

“Para nós, era muito importante que a adaptação tivesse quantos episódios fossem necessários, que fosse em espanhol e filmada na Colômbia, com diretores, roteiristas, equipe técnica, produtores e atores colombianos ou latino-americanos”, disse García. “A Netflix concordou e se comprometeu a garantir que a adaptação estaria à altura do livro. E eu acredito que, com muito trabalho duro, foi possível atingir esse objetivo.”

Em material enviado com exclusividade para a CNN, a diretora Laura Mora reforçou que dirigir uma adaptação audiovisual de “Cem Anos de Solidão” é uma “responsabilidade enorme”. “Eu acho que se envolver nesse romance também implica um pouco de loucura e muita coragem, mas, acima de tudo, significa entender as diferentes linguagens, as diferenças entre a linguagem literária e do audiovisual e se aproximar do trabalho com muita humildade”, falou.

“Em outras palavras, é tentar igualar algo que sempre será maior que nós, então ter esse respeito e humildade diante do trabalho literário foi o jeito que escolhi para lidar com isso, continuou.

“Houve um enorme processo de pesquisa por parte da equipe e dos diferentes departamentos para abordar de forma crível o período e os diferentes níveis de complexidade, conflitos e etapas que o romance possui”, explicou Mora. “Pessoalmente, para mim, isso significou abordar a obra também através da história colombiana. Acho que os colombianos tendem a ignorar grande parte da nossa história. Infelizmente, não somos como outras culturas latino-americanas que conhecem muito bem a sua história.”

“Então, para mim, visitar o final do século XIX, o início do século XX e entender a genialidade de García Márquez em como ele também nos conta a história daquele período histórico, sem precisar ser literal ou falar de eventos específicos, mas, no final, ele está te contando o que aconteceu na Colômbia através de sua poesia e sua maneira de imaginar o mundo. E é um período fascinante para a história do país, mas também para a história do mundo”, continuou Mora.

“O que você também percebe quando estuda a história do país, a história do continente versus o romance é a beleza de García Márquez tentando fazer uma espécie de gênese do mundo a partir da América Latina e ‘Cem Anos de Solidão’ está nos contando e nos envolvendo na história do mundo, no início da história do mundo contada a partir dessa complexidade dos trópicos, de ver o mundo com uma poesia que foi chamada de realismo mágico, mas que não é nada mais do que um olhar absolutamente poético, exaltando a beleza apesar das dificuldades”, finalizou.

Santiago Vásquez como Aureliano em “Cem Anos de Solidão” • Mauro González/Netflix

E por que é relevante que foi possível adaptar a obra em formato de série? “O romance é tão complexo que transformar em um filme significaria pensar em um filme de muitas horas, o que eu, pessoalmente, amo, mas talvez teria uma possibilidade comercial e uma aproximação com o público mais limitada. Não existem tantas pessoas como eu que adoraria ficar dentro de uma sala de cinema por sete horas seguidas, não sei”, falou Mora no material encaminhado à CNN. “Acho que o formato de série também permite que você vá por capítulo, como o livro, para poder mergulhar em certos conflitos e percorrer os anos e conhecer os personagens de uma forma mais próxima também.”

Segundo a diretora, o formato da série também permite mergulhar em certos personagens que “em uma página de literatura te contam muitas coisas, mas que na linguagem audiovisual precisam ser construídos com outras camadas”.

Natalia Santa, roteirista, disse no material enviado também com exclusividade para a CNN que existem muitos desafios em adaptar “Cem Anos de Solidão”. “Quase tudo [no livro] é um desafio, porque é um romance tão grande em tantas formas – no tamanho, personagens, situações, no que os temas falam, profundidade, beleza – que eu diria que tudo na adaptação foi um desafio, mas, claro, existem coisas desafiadoras como transformar um momento que é tão icônico no romance que pode ser visto e sentido da mesma maneira, com a mesma intensidade e a mesma honestidade que no romance”, falou Santa.

“O desafio estava nos momentos mais reconhecidos e icônicos do realismo mágico [do livro] (…) Eu acho que encontrar o tom certo e a proposta audiovisual que fosse coerente com o livro foi um grande desafio”, resumiu. “Uma das partes mais difíceis é que tudo é complexo e a parte mais complexa é precisamente balancear e preservar os aspectos literários ao adaptar esse romance para o formato audiovisual, em uma série.”

“É impossível manter tudo [igual]”, reforçou a roteirista, “pois eles tem duas linguagens diferentes, então é impossível traduzir tudo literalmente.”

Dessa forma ambiciosa, mas respeitando o desejo do autor de fazer uma produção em espanhol e filmada na Colômbia, a Netflix transformou uma obra grandiosa em uma série que tenta dar o ar de fantasia enquanto retrata a riqueza narrativa dos personagens criados por Gabriel García Márquez.

Assista ao trailer da primeira parte de “Cem Anos de Solidão”:

Fonte: CNN Brasil
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