Na área do direito penal, o caso de maior repercussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2024, foi o julgamento que validou a condenação do ex-jogador Robinho por estupro na Itália e determinou o início imediato da execução da pena no Brasil.
Na área do direito penal, o caso de maior repercussão no Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2024, foi o julgamento que validou a condenação do ex-jogador Robinho por estupro na Itália e determinou o início imediato da execução da pena no Brasil. Os desdobramentos da Operação Faroeste, que tornou ré uma desembargadora do Tribunal de Justiça da Bahia (TJBA) pelos crimes de organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro, também marcaram o noticiário.
Entre os temas julgados sob a sistemática dos recursos repetitivos, destaca-se o entendimento da Terceira Seção de que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) devem ser aplicadas sem prazo determinado.
Em março, a Corte Especial validou a sentença da Itália que condenou o ex-jogador Robson de Souza, conhecido como Robinho, à pena de nove anos de prisão por estupro e aceitou o pedido de transferência do cumprimento da pena para o Brasil. Robinho foi condenado pela justiça italiana em 2017, mas voltou ao Brasil no meio do processo.
O colegiado avaliou que a decisão estrangeira cumpriu os requisitos legais para ser homologada, além de concluir que a Lei de Migração (Lei 13.445/2017) possibilitou que o brasileiro nato condenado no exterior cumpra a pena em território nacional.
"A não homologação da sentença estrangeira representaria grave descumprimento dos deveres assumidos internacionalmente pelo Brasil com o governo da República Italiana, além de, indiretamente, deixar de efetivar os direitos fundamentais da vítima", apontou o relator do processo, ministro Francisco Falcão.
Outro caso de grande repercussão enfrentado pelo tribunal foi a Operação Faroeste, deflagrada para apurar esquema de venda de decisões judiciais relacionadas a disputas de terras na região oeste da Bahia. A operação já resultou em vários processos penais no STJ, inclusive contra magistrados. Em novembro, a Corte Especial recebeu a denúncia do Ministério Público Federal contra a desembargadora Sandra Inês Moraes Rusciolelli Azevedo, do TJBA, pelos crimes de organização criminosa, corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Além de receber a denúncia contra outras pessoas, o colegiado manteve o afastamento da magistrada até a conclusão do julgamento da ação penal. Para o relator, ministro Og Fernandes, as provas "indicam que os denunciados promoveram e integraram organização criminosa, pactuando elevadas quantias de dinheiro para a prolação de decisões judiciais favoráveis".
Um dos assuntos mais debatidos do ano em matéria penal foi o possível cancelamento da Súmula 231 do STJ. Em agosto, a Terceira Seção decidiu manter o entendimento.
Autor do voto que prevaleceu no colegiado, o ministro Messod Azulay Neto observou que o Supremo Tribunal Federal (STF) fixou no Tema 158 da repercussão geral, com eficácia vinculante, que a incidência de circunstância atenuante genérica não pode reduzir a pena abaixo do mínimo legal. Dessa forma, prosseguiu, o STJ não poderia alterar súmula sobre a mesma matéria, visto que o STF não manifestou a intenção de rever seu próprio posicionamento.
Além disso, o ministro destacou que a discricionariedade do magistrado deve respeitar os limites mínimos e máximos previstos em lei, em conformidade com o princípio da reserva legal, que veda a modificação dos parâmetros definidos pelo legislador.
No mês de novembro, a Terceira Seção deliberou, no julgamento do Tema 1.249 dos recursos repetitivos, que as medidas protetivas da Lei Maria da Penha devem ser aplicadas enquanto houver risco à mulher, sem a fixação de prazo certo de validade. Ainda segundo o colegiado, as medidas protetivas de urgência têm natureza de tutela inibitória e não se vinculam à existência de instrumentos como inquérito policial ou ação penal.
"As medidas protetivas devem perdurar o tempo necessário à cessação do risco, a fim de romper com o ciclo de violência instaurado. Não há, portanto, como quantificar, de antemão, em dias, semanas, meses ou anos, o tempo necessário à cessação do risco", ressaltou o relator do ##repetitivo##, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Em abril, a Quinta Turma decidiu que são inadmissíveis no processo penal as provas obtidas de celular quando não forem adotados procedimentos para assegurar a idoneidade e a integridade dos dados extraídos. O relator, ministro Joel Ilan Paciornik, alertou que as provas digitais podem ser facilmente alteradas, o que exige maior atenção na custódia e no tratamento.
No caso analisado, o colegiado considerou que os prints de WhatsApp obtidos pela polícia em um celular não poderiam ser usados como prova na investigação sobre uma organização criminosa com a qual o dono do aparelho estaria envolvido.
Meio de obtenção de prova previsto entre os artigos 197 e 200 do Código de Processo Penal (CPP), a confissão foi tema de três teses fixadas pela Terceira Seção, em agosto.
O colegiado entendeu que a confissão extrajudicial somente será admitida no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada. Além disso, ela é admissível apenas para servir como meio de obtenção de provas, mas não pode embasar a sentença condenatória. Por fim, a última tese define que a confissão judicial, em princípio, é lícita, mas, para a condenação, será considerada apenas a confissão amparada nas demais provas, à luz do artigo 197 do CPP.
O ministro Ribeiro Dantas, relator, observou que, quando o preso é registrado no sistema de custódia e o procedimento institucional é seguido com cautela, os riscos de eventuais violências são afastados, de modo a tornar a prova mais confiável. "Sem salvaguardas e enquanto o Brasil for tão profundamente marcado pela violência policial, sempre permanecerá uma indefinição sobre a voluntariedade da confissão extrajudicial", refletiu.
No mês de fevereiro, em revisão do Tema 931, a Terceira Seção estabeleceu a tese de que a falta de pagamento da pena de multa, depois do cumprimento da pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, não impede a extinção da punibilidade para o condenado hipossuficiente, salvo se o juízo, em decisão motivada, entender que existem indícios de que a pessoa tem condições de arcar com a sanção pecuniária.
"Presume-se a pobreza do condenado que sai do sistema penitenciário – porque amparada na realidade visível, crua e escancarada –, permitindo-se prova em sentido contrário", registrou o relator do recurso ##repetitivo##, ministro Rogerio Schietti Cruz.
Em outro ##repetitivo##, de maio, foi decidido que, respeitados alguns requisitos, é possível a aplicação retroativa do percentual de 50%, para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo com resultado morte, assim como a posterior concessão do livramento condicional.
O relator do Tema 1.196, desembargador convocado Jesuíno Rissato, destacou que a Lei 7.210/1984 (Lei de Execução Penal) traz a exigência de cumprimento de 60% da pena, nos casos de condenados reincidentes por crime hediondo ou equiparado. Porém, ressalvou que a lei não trata da regra de progressão nos casos em que um condenado por crime comum seja posteriormente condenado por crime hediondo ou equiparado, com resultado morte.
Em decisão de setembro, a Quinta Turma entendeu que é crime de exploração sexual o relacionamento entre adolescente maior de 14 e menor de 18 anos (sugar baby) e um adulto (sugar daddy ou sugar mommy) que oferece vantagens econômicas em troca de sexo. Sob a relatoria do ministro Ribeiro Dantas, foi mantida a condenação de um americano a quatro anos e oito meses de reclusão por manter relacionamento com uma menina de 14 anos.
Em seu voto, Ribeiro Dantas destacou que a intenção do artigo 218-B do Código Penal – que prevê o crime de exploração sexual – é prevenir o uso de manipulação, poder econômico ou influência para envolver adolescentes em práticas sexuais. "Ao tipificar a conduta de forma objetiva, a legislação tem o objetivo de desestimular comportamentos predatórios e garantir um ambiente mais seguro para o desenvolvimento dos jovens", afirmou.
No mês anterior, a Sexta Turma decidiu que, para reconhecer o crime de estupro, basta qualquer manifestação da vítima – não atendida pelo agressor – de que não deseja continuar o ato sexual, mesmo que tenha havido consentimento no início. A posição foi adotada pelo colegiado para restabelecer sentença que condenou um homem a seis anos de reclusão por estupro.
Nesse caso, o tribunal local concluiu que, embora a mulher tivesse se recusado a seguir no ato sexual inicialmente consentido, essa discordância não teria se dado de forma enfática, a ponto de o réu efetivamente percebê-la.
"O dispositivo do Código Penal que tipifica o delito de estupro não exige determinado comportamento ou forma de resistência da vítima. Exige sim, implicitamente, o dissenso, o que restou comprovado nos autos", afirmou o ministro Sebastião Reis Junior, relator.
A preocupação com os segmentos vulneráveis da população se fez presente já na primeira sessão do ano, em fevereiro. Na ocasião, a Sexta Turma, em habeas corpus, assegurou prisão domiciliar a uma mulher trans que teria de cumprir pena em presídio masculino.
De acordo com o desembargador convocado Jesuíno Rissato, relator, o caso reflete a situação prisional de muitas pessoas no Brasil, cuja sociedade "racista, misógina, homofóbica e transfóbica" leva o sistema carcerário a ser "violento e segregacionista".
Em agosto, a Quinta Turma decidiu que a celebração do acordo de não persecução penal (ANPP) é incabível nos casos de homofobia. A turma julgadora considerou que a conduta tem tratamento legal equivalente ao do crime de racismo, para o qual o ANPP é inaplicável.
Na origem, o acordo foi oferecido pelo Ministério Público de Goiás a uma mulher acusada de ter ofendido dois homens que se abraçavam em público. O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, concluiu que a decisão do tribunal de origem, que recusou a homologação por inaplicabilidade do ANPP a crimes que violam garantias fundamentais e a dignidade da pessoa humana, coincidia com a jurisprudência do STF e do STJ e, por isso, não deveria ser alterada.
No mês de maio, o magistrado também foi o relator de um processo em que a Quinta Turma absolveu um homem que ficou preso por 12 anos, após ser condenado em vários casos de estupro. Para o colegiado, as condenações se basearam apenas na palavra das vítimas, que o reconheceram por foto e pessoalmente, mas sem observar as regras legais do reconhecimento, e nas declarações de policiais sobre o envolvimento do acusado em crimes semelhantes.
Reynaldo Soares da Fonseca afirmou que os procedimentos de reconhecimento, por foto ou pessoalmente, na fase policial ou judicial, sempre ignoraram a disciplina do artigo 226 do CPP. Segundo o ministro, a análise do material genético guardado em banco de dados revelou o perfil de outra pessoa com diversas condenações por crimes semelhantes.
No mesmo mês, o reconhecimento criminal foi tema de outro processo julgado pelo colegiado. A turma considerou que, para ser válido, o procedimento de reconhecimento de pessoas descrito no artigo 226, parágrafo II, do CPP deve garantir que haja alguma semelhança física entre o suspeito e os demais indivíduos colocados ao seu lado. Esse entendimento amparou a absolvição de um homem negro que, na hora do reconhecimento, foi posto ao lado de dois homens brancos.
Ainda no âmbito da Quinta Turma, em março, foi decidido que o réu tem direito de usar suas próprias roupas no julgamento do tribunal do júri, uma vez que o uniforme de preso pode influenciar na decisão dos jurados e que o uso de roupas civis não traz insegurança ou perigo. Com isso, a turma concedeu habeas corpus para declarar a nulidade de uma sessão do tribunal do júri em que o réu foi obrigado a usar o traje do presídio.
A ministra Daniela Teixeira, relatora, ressaltou que a decisão que indeferiu o pedido da defesa não apontou risco concreto de fuga do acusado, mas apenas citou, de modo hipotético, a falta de segurança no fórum.
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