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Como brasileiros se preparam para a política de deportação de imigrantes da nova era Trump

Desde a eleição de Donald Trump, em novembro, um clima de incerteza ronda os brasileiros indocumentados nos Estados Unidos.


Desde a eleição de Donald Trump, em novembro, um clima de incerteza ronda os brasileiros indocumentados nos Estados Unidos. O republicano se elegeu com a promessa de deportar até 1 milhão de imigrantes por ano – nos quatro anos em que foi presidente, sua gestão deportou ao todo 1,5 milhão. Agora, a proximidade da posse preocupa os brasileiros irregulares no país, que temem que políticas mais rígidas acabem com seu "sonho americano".

É o caso de Leandro*, migrante indocumentado, ou seja, sem autorização para permanecer no país, que trabalha na construção civil e mora nos Estados Unidos há quase duas décadas. Em entrevista à Agência Pública, ele disse que está com mais medo agora do que quando Trump assumiu o poder pela primeira vez, pois o discurso antimigratório foi muito forte durante a última campanha. 

"Quando tem um governo republicano no poder, até o cidadão americano republicano fica mais rígido com os imigrantes ilegais. É por isso que eu tenho medo de encontrar um policial republicano quando estiver a caminho do trabalho e ele questionar meu status imigratório e tomar as providências de [me] deportar", afirmou.

Por que isso importa?

O discurso de Trump desumaniza os migrantes desde quando ainda era candidato à presidência, como quando afirmou, sem base na realidade, que estrangeiros estariam comendo cachorros e gatos no estado de Ohio. Ele prometeu declarar emergência nacional e mobilizar o Exército norte-americano contra essa parcela da população, o que teria de ser aprovado pelo Congresso, de maioria republicana. O republicano disse também pretender eliminar o direito à cidadania aos filhos de migrantes irregulares que nascem nos EUA, o que já havia tentado, sem sucesso, em seu primeiro mandato. Em 12 de dezembro, em entrevista publicada pela revista Time, já eleito, ele disse que fará "o que for preciso para tirá-los", apesar dos desafios logísticos e econômicos. 

Trump escolheu para controlar fronteiras o responsável por uma das políticas migratórias mais criticadas de seu último mandato: Tom Holman, criador da política de separação de famílias. Entre abril e junho de 2018, migrantes que ingressaram de forma irregular pelo México para solicitar asilo tiveram filhos retirados e colocados em celas distintas enquanto o caso estivesse em avaliação. Cerca de 3 mil crianças, ao menos 49 brasileiras, foram separadas dos pais. Até 2020, ao menos 545 ainda não haviam sido reunidas.

A política foi encerrada em razão da má repercussão, mas seu responsável, Holman, chamado por Trump de o "czar da fronteira", foi apontado para o controle fronteiriço em novembro. Questionado se voltaria a separar famílias, o homem de confiança de Trump afirmou que "famílias podem ser deportadas juntas", inclusive em casos em que os filhos são americanos.

Endurecimento de política reflete desafio crescente

A migração irregular de brasileiros aos EUA tem crescido, de acordo com estudo do Pew Research Center. Em 2022 havia cerca de 230 mil brasileiros indocumentados no país, um crescimento de 53% em comparação com 2018, quando somavam 150 mil, segundo o levantamento. Do total de 11 milhões de imigrantes irregulares no país, mais de 4 milhões seriam mexicanos, e 2,8 milhões teriam origem na América Central e Caribe. O Itamaraty estima que mais de 2 milhões de brasileiros vivam nos EUA, entre regulares e irregulares, a maioria em Nova York, Boston e Miami. 

A imposição de políticas migratórias mais rígidas afeta em especial migrantes sem permissão de permanência no país, explicou o advogado de migração Felipe Alexandre, do Alexandre Law Firm and Associates (ALFA): "Essas pessoas estão bem vulneráveis". Isso inclui pessoas que excederam o limite do visto de turista, que não apresentaram um pedido oficial de asilo ou não compareceram às cortes migratórias quando solicitadas.

O professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) Duval Magalhães conduz uma pesquisa com brasileiros deportados dos EUA e prevê "tempos mais difíceis". Ele considera que o novo governo vai "aumentar a vulnerabilidade dos imigrantes irregulares e colocar os regulares em uma situação de alerta ou de preocupação".

O recorde de deportações é da gestão do ex-presidente Barack Obama, cujo governo deportou 2,9 milhão de pessoas no primeiro mandato e 1,9 milhão no segundo. O democrata conciliou o aumento nas expulsões com políticas internas de apoio e regularização de alguns migrantes, o que também foi feito por Joe Biden. "Eles [democratas] mordiam e assopravam. Eu não vejo o interesse do Trump de assoprar a mordida", resumiu a vice-presidente da New American Dream Foundation (Fundação Novo Sonho Americano, em português), Emanuela Palmares.

A poucos dias do fim de seu mandato, Biden tem sido pressionado pelos democratas para estender proteções aos migrantes. Em carta enviada em dezembro, sete senadores pediram, entre outras medidas, que o então presidente priorizasse o processamento de permissões de trabalho e estendesse a estadia de migrantes temporários. Até a publicação desta reportagem, o democrata não havia atendido aos pedidos.

Brasileiros e a aposta de que cão que ladra não morde

Ao longo da apuração, a reportagem entrou em contato com brasileiros indocumentados que vivem nos Estados Unidos, que terão a identidade preservada, mas a maioria não quis se pronunciar sobre a nova era Trump. Os migrantes entrevistados concordaram que a entrada pela fronteira deve ser dificultada.

"Semana que vem vou ter [que comparecer à] corte [de migração] e estou evitando falar [sobre] assunto de migração, só te posso afirmar uma coisa: muita gente está sendo deportada", disse um dos indocumentados.

Joaquim*, 22, por outro lado, disse não temer a deportação. "Eu não gosto daqui. E se me deportar eu não tô nem aí", afirmou. Ele chegou ao país em junho de 2024, antes da mudança de regras de concessão de asilo para "impedir que migrantes que cruzem ilegalmente a fronteira sul", feita por Biden, pressionado durante a campanha eleitoral. Mas o brasileiro se diz arrependido por não ter se adaptado a um local onde "as pessoas colocam dinheiro na prioridade de tudo".

Joaquim viajou por 19 dias "bem sofridos" por países como Guatemala, El Salvador e México, em busca de "desafio" e "uma melhora de vida". Ele disse ter sido extorquido por policiais e obrigado a ficar por quatro horas escondido em uma mata por temer sequestro na fronteira entre Guatemala e México, que, para ele, é, agora, a "parte mais perigosa" da travessia.

Até outubro de 2023, o trajeto de imigrantes irregulares era comumente feito por terra na fronteira entre México e EUA, mas o aumento da pressão estadunidense fez o país latino passar a exigir visto de brasileiros como forma de dificultar a migração.

"O plano dele [envolve] quem tiver aqui ilegal, devendo corte, fugindo do Brasil, batendo carro bêbado, roubando, essas paradas assim que estão atrapalhando realmente o país. [Esses] ele [Trump] realmente vai botar pra rodar mesmo", disse Joaquim. que acredita que aqueles trabalhando, mesmo indocumentados, podem ficar tranquilos: "Ele não tem esse poder todo, não". "Só quer botar medo", aposta.

Apoiador de Trump, Henrique Lopes trabalha com construção civil, mora regularmente nos EUA desde o fim da década de 1990 e concorda. "Eu acho que todo mundo que trabalha sério, mesmo indocumentado, que não está envolvido em nenhuma coisa errada, pode ficar tranquilo que ele não vai sair perseguindo ninguém. Agora, para os que têm já algum mandado, já têm algum histórico de coisas erradas aqui, esses sim [serão deportados]." Lopes vive na Flórida, estado governado pelo republicano Ron DeSantis, que, em 2023, sancionou leis que dificultam o trabalho de migrantes irregulares, estabelece penas contra seus empregadores e proíbe carteira de motorista local a indocumentados. 

Migrante mineiro naturalizado cidadão americano há mais de 25 anos, Hugo Benjamin diz, por outro lado, que o receio de migrantes ao mandato de Trump varia conforme a condição social. "Os brasileiros documentados ou indocumentados que estão aqui e são donos de companhia querem o Trump. Os brasileiros que são empregados de alguém não querem", afirmou o brasileiro, que se identifica com o partido democrata e vive na Geórgia. 

Para a socióloga e professora da Universidade do Vale do Rio Doce (Univale) Sueli Siqueira, que estuda a migração dos brasileiros para os EUA, a argumentação de que só "criminosos" seriam afetados pela política de Trump não faz sentido. "Não foi o que aconteceu [no último mandato]", avalia. Siqueira ressalta que tratar o migrante "de forma desumana", "como criminoso, e não como um trabalhador" é visto como estratégia para tentar "desestimular a continuidade do fluxo [migratório]". 

Para combater a desinformação e auxiliar no preparo dos migrantes, o jornal Tribuna, ligado à Fundação Novo Sonho Americano, publicou em dezembro o documento "Lidando com a incerteza: um guia para imigrantes após as eleições de 2024", que elenca ações que pessoas em situação irregular devem tomar para se proteger. Entre as recomendações estão criar um plano de emergência em caso de deportação e procurar auxílio jurídico antecipadamente.

"A conduta de cada indivíduo agora vai ser essencial. As famílias têm que fazer um planejamento realista sobre sua situação imigratória, [em especial] se há crianças menores. [Por exemplo,] um documento especificando quem pode tomar conta das crianças em via de uma eventual deportação dos pais ou responsáveis. Um plano de emergência, com lista de medicamentos, comida favorita, qualquer detalhe necessário para aquela pessoa que quer cuidar da criança poder ter acesso", explicou a vice-presidente da organização, Emanuela Palmares.

Trump, um sócio indireto do crime organizado?

Além da política de separação de famílias, Trump também implementou duas outras medidas para combater as entradas irregulares em seu último mandato: a Título 42, que permitia a expulsão de solicitantes de asilo com base em medidas sanitárias, criada na pandemia de covid-19; e a conhecida como Fique no México, que ordenava que solicitantes de asilo aguardassem no México, às vezes por meses, a avaliação de seus pedidos.

Enquanto esperavam em cidades fronteiriças, com forte presença do crime organizado, os migrantes se expunham a diversos perigos.

As duas políticas foram revogadas durante o governo Biden, mas Trump já indicou que pretende retornar com a segunda e ameaçou o México com a imposição de novas tarifas alfandegárias caso o país não aceite novas medidas.

Para o pesquisador da PUC-MG Duval Magalhães, "o problema das políticas [de combate à migração] é que, no fundo, Trump acaba se transformando em sócio dos coiotes, porque a legislação [mais rígida] aumenta o preço e o risco; mas o risco muitas vezes não é risco do coiote em si, é risco do imigrante". 

Sueli Siqueira concorda: "Aumentando ou reduzindo a fiscalização, o fluxo é contínuo". A pesquisadora acompanha em especial a população migrante da região mineira em torno do município de Governador Valadares (MG), na qual migrar para os EUA se tornou uma cultura. "Você não quebra isso com uma política dessa, ou mesmo com a política do amedrontamento", finalizou. 

Os pesquisadores ressaltam que as ações de Trump não são isoladas, mas parte de um movimento global, que tem culminado, por exemplo, no aumento das agressões aos brasileiros na Irlanda, antes visto como um país receptivo e acolhedor. "Se você tem um líder dizendo que essas pessoas não são humanas, […] esse líder está autorizando agressões", resumiu Siqueira.

SIte Oficial da AP

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