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Redução de escala 6×1 para 4×3: o pouco discutido impacto no meio ambiente

A redução da escala 6×1 para uma eventual 4×3, já testada fora do Brasil, poderia trazer efeitos pouco discutidos quanto ao meio ambiente, além das questões sociais e de produtividade, mais discutidas.


A redução da escala 6×1 para uma eventual 4×3, já testada fora do Brasil, poderia trazer efeitos pouco discutidos quanto ao meio ambiente, além das questões sociais e de produtividade, mais discutidas. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), protocolada em 1º de maio deste ano, propõe a redução da carga horária máxima semanal de 44 para 36 horas, possibilitando, assim, três dias de descanso por semana, o que tem efeitos na saúde do trabalhador e impactos na economia. A alteração massiva do modelo de trabalho, no entanto, também apresenta efeitos no consumo energético, no trânsito urbano e na emissão de gases do efeito estufa.

Um dos principais efeitos imediatos esperados é a queda no consumo de energia elétrica. De acordo com o líder de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (Iema) Vinícius Oliveira da Silva, o padrão de consumo hoje restrito aos dois dias de finais de semana poderia ser prolongado, reduzindo a carga no sistema elétrico observado nos dias úteis. No Japão, onde a Microsoft já testou a semana de quatro dias dando folga a 2,3 mil funcionários às sextas-feiras, a queda de consumo elétrico foi de 23%, além do aumento de produtividade registrado pela empresa, estimado em 40%.

"Vai ser menos empresas abrindo, quer dizer que são menos empresas ligando ar-condicionado, são menos empresas ligando motores elétricos para funcionarem os equipamentos das diversas indústrias, diversos serviços, diversos comércios", estima Silva. "Certamente a redução da escala 6x1 pela 4x3 traria benefícios indiretos para o meio ambiente, pois reduziria o congestionamento de trânsito em mais dias na semana", complementa.

Os efeitos no tráfego urbano já foram destaque no relatório "Benefits from Auckland Road Decongestion", realizado na Nova Zelândia em 2017, que evidenciou não apenas a redução dos congestionamentos nas principais rotas de Auckland, mas a diminuição das emissões de carbono em até 30%. Esse impacto seria alcançado graças ao menor tempo de veículos parados no trânsito, o que também resultaria em uma queda significativa do consumo de combustíveis fósseis e da poluição atmosférica.

A redução da escala de trabalho poderia ter ainda mais impacto ambiental caso seja associada ao retorno do chamado horário de verão. "O horário de verão tem um benefício no sentido de [que] ele vai atuar exatamente nos períodos onde se exige a maior quantidade de termelétricas operando [...] E ao fazer isso você precisa partir [de] menos [uso de] termelétricas, que elas são mais caras, ou seja, pesam na conta de luz das pessoas, e elas também emitem mais gás de efeito estufa e poluentes", detalha o líder de projetos do Iema.

"Os pilotos [da escala 4x3] que estão sendo realizados de forma global mostram que, havendo um planejamento adequado e os ajustes às realidades locais, a gente tem um ganho. Tem muito potencial para explorar outros pilares de sustentabilidade, como o ambiental. Jornadas mais curtas podem reduzir o uso de recursos naturais, as emissões da pegada de carbono, promovendo mais práticas alinhadas com sustentabilidade climática", explica Gabriela Brasil, diretora da comunidade 4 Day Week Global, organização sem fins lucrativos que realiza testes com empresas ao redor do mundo a fim de incentivar outros modelos de escala de trabalho e que já promoveu experiências no Brasil. 

Escala 4x3, produtividade e criatividade: como foram os testes no Brasil

Entre janeiro e julho deste ano, 19 empresas e seus 252 colaboradores fizeram parte do piloto da "Semana de 4 dias". No relatório final da ONG 4 Day Week, foram destacados avanços em aspectos organizacionais e individuais como uma redução de 72,8% na exaustão frequente dos trabalhadores, enquanto 49,6% relataram uma melhora significativa na qualidade do sono e 43,6% passaram a praticar atividades físicas com maior frequência. Apenas 2,5% das pessoas envolvidas no teste alegaram que não gostariam que a jornada de quatro dias de trabalho fosse mantida em suas empresas.

"A gente precisa encontrar um equilíbrio mais saudável entre trabalho e vida pessoal. [...] Quando a gente foca em produtividade, sucesso profissional, frequentemente se ignora o descanso, se ignora o lazer, se ignora o autocuidado, que são fundamentais para essa vida sustentável", defende Gabriela Brasil, que aponta que os testes feitos pela organização indicam um aumento de produtividade de 71,5% nas empresas que testaram o modelo 4x3.

Uma dessas empresas foi a GR Assessoria Contábil, cuja equipe de 10 pessoas teve a escala reduzida com dois grupos tendo folgas alternadas entre as segundas e sextas-feiras e inversão a cada trimestre. "Não é algo fácil de implementar e a adaptação é lenta e gradual, é preciso abandonar velhos hábitos, crenças e metodologia de trabalho, que ficou no passado, e isso vale para os dois lados", relata a sócia Maria Marta Neves. "Criamos um método para que [a produção equivalente] às 8 horas do dia de folga sejam minimamente distribuídas nos quatro dias úteis. Assim, conseguimos manter o equilíbrio".

A empresária destaca que a implementação tem funcionado com adaptações em momentos de alta demanda de tarefas, no qual a equipe corta o feriado semanal, como em dezembro, quando há uma demanda maior para os contabilistas. "São apenas 20 dias para atender toda a demanda: 13º, férias coletivas de clientes, além do trabalho do dia a dia. Fica impossível", admite. 

Outra brasileira que testa o formato desde janeiro foi a Rede Alimentare, de alimentação coletiva para empresas. Segundo a coordenadora de Planejamento Estratégico, Caroline Soldi, a iniciativa partiu do diretor e a medida foi implementada inicialmente no administrativo, composta por 11 colaboradores. 

"Hoje já não é um ponto, assim, 'a gente precisa fazer dar certo até quinta-feira'. Flui naturalmente. É normal. A gente trabalha de segunda a quinta, as nossas demandas estão adaptadas para essa carga horária de trabalho, e a gente dá conta de tudo", explica Soldi, que disse verificar também aumento de produtividade e retenção dos profissionais. "A gente reduziu a zero gastos com rescisão", garante. O modelo, no entanto, ainda não tem previsão de ser expandido para o restante da empresa "devido à maior complexidade de implementação".

Entre 19 as companhias envolvidas na experiência, nove decidiram manter o formato de quatro dias após o término do piloto, enquanto outras sete decidiram estender a experiência para avaliar melhor os impactos de longo prazo. 

"Se é uma decisão da liderança para baixo, ela tende a não funcionar. Se é uma decisão onde os colaboradores estão envolvidos, trazendo a participação deles, como que uma tarefa pode ser otimizada, com pesquisa para entender os pontos que são realizados, avaliando necessidade, ideias, progresso, pensando em soluções, medindo o impacto… Tudo isso é importante para fazer uma mudança de jornada", completa Brasil. 

Pesquisadores que fizeram testes da escala 4x3 ao redor do mundo refutam a ideia de que a redução impactaria negativamente a economia. "Nós vimos em todos os países que reduziram a semana de trabalho, por exemplo, de 6 dias para 5, que já foi há quase 100 anos nos Estados Unidos, nunca piorou a economia. Se surpreenderam sempre, os economistas, porque a economia acabou por funcionar tão bem como antes, ou ainda melhor, com menos horas de trabalho", afirma o economista português Pedro Gomes, professor da Universidade de Londres e autor do livro Sexta-feira é o novo sábado.

Gomes também explica que a dinâmica do mercado exige "adaptação natural" em cada setor. "[A jornada] Para os jornalistas é muito diferente dos professores, das pessoas que trabalham no restaurante, nos hospitais, portanto, mesmo uma economia que funciona com um fim de semana de dois dias, é muito diferente para toda a gente [...] Uma semana de quatro dias não seria o mesmo para as pessoas que trabalham no restaurante, ou nos bancos", afirma, destacando ainda que a redução da escala de trabalho e o ganho do tempo livre não se voltam apenas a momentos de lazer, mas permitem se ter novas ideias que beneficiem o mercado, e como colocá-las em prática. 

O professor de psicologia do Centro Universitário de Brasília (Ceub) Carlos Manoel Rodrigues complementa que a falta do tempo de descanso causa uma perda cognitiva que impacta na criatividade em si. "Com os períodos longos de trabalho, sem o descanso, a gente tem uma redução da capacidade da memória que vem aos 40%, a partir de 45 anos, por exemplo, porque você já tem o efeito do envelhecimento, mas também tem o efeito desse estado de alerta constante", explica.

Além disso, Rodrigues reforça que trabalhadores que conseguem desconectar-se do ambiente de trabalho têm mais oportunidades de vivenciar experiências variadas, o que contribui para a criatividade: "A questão não é só o fato do tempo, mas a qualidade desse tempo de descanso. Por exemplo, trabalha de segunda a sexta, mas sábado, domingo, você está no celular respondendo coisas de trabalho, então, você não está descansando". "O tempo livre não é tempo morto para a economia [...] Vamos aos restaurantes, aos hotéis, à cultura, aos teatros, cinema, e portanto há muitas indústrias que [se] beneficiariam diretamente de mais tempo livre", complementa.

Resistência ainda é generalizada

Apesar das pesquisas já realizadas, os pesquisadores explicam que, mesmo em países nos quais os testes alcançaram alto número de empresas e colaboradores, existe uma tendência natural à mudança que vem do próprio setor da economia. 

"Há a visão de que, se baixarmos [o tempo de serviço], se trabalharmos menos, a economia vai cair, o PIB vai baixar [...] Depois há uma certa visão um pouco moralista, um pouco filosófica, [de] que o nosso valor vem do trabalho, temos de estar a trabalhar [...] quando não estamos a trabalhar, estamos preguiçosos, não contribuímos [com a sociedade]", explica Pedro Gomes. 

Gabriela Brasil argumenta que a falta de aprofundamento no debate, que apresente dados e testes já realizados, pode criar um cenário que facilite a disseminação de mitos. Um exemplo seria como, nas últimas audiências públicas para debater a diminuição da escala 6x1, deputados críticos à PEC defendiam, sem embasamento, que, caso a PEC fosse aprovada, as empresas teriam mais gastos em contratações, cujos custos recairiam sobre os próprios trabalhadores.

"Quando os empresários e os empregadores entendem que a redução da jornada, por exemplo, pode diminuir o absenteísmo, aumentar a produtividade, melhorar a rentabilidade, atrair talentos, aí a gente começa a sair do campo das opiniões vagas e do senso comum e entra no terreno das possibilidades reais", alerta.

SIte Oficial da AP

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