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Em defesa dos checadores

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Por Em Sergipe

14/01/2025 às 06:09:45 - Atualizado há

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Resolvi que este seria o tema da minha coluna depois de o governo federal pedir explicações à Meta sobre o anúncio do fim da checagem na rede; mas também porque terminei de ler o livro Políticas do encanto, de Paolo Demuru (editora Elefante). Embora traga muitas reflexões interessantes, o livro reprisa argumentos que já ouvi de tantos lados que até me dá preguiça de contar – direita, esquerda, centro, jornalistas, pesquisadores. Argumentos tão generalizantes e falaciosos como "a checagem de fatos não serve pra nada". 

Não é exatamente o que faz Paolo, que mantém um discurso dúbio sobre o fact-checking, ao mesmo tempo que usa adjetivos tais como: "é preciso tornar o debunking menos tóxico e menos elitista".       

Mas vou começar pelo Mark. Muito já se falou do seu discurso, da semana passada, mas ele tem nuances que não posso deixar de mencionar.

Zuckerberg não apenas anunciou que vai extinguir a checagem de fatos do Instagram e Facebook; ele adotou uma linguagem trumpista, vil e covarde, para falar sobre os checadores de fatos – que são, lembremos sempre, nada mais que jornalistas que se dedicam a um tipo específico de cobertura. Disse: "Nós vamos nos livrar dos checadores", ou seja, em vez de agradecer àquele funcionário que dedicou anos para fazer a sua empresa caminhar bem, ele o jogou na rua com um pontapé na bunda. Disse: "Os checadores de fatos simplesmente têm sido muito enviesados politicamente e destruíram mais confiança do que criaram". Em contraste, o Facebook teria "tentado de boa-fé" responder às preocupações sobre desinformação.

A linguagem usada por Zuckerberg é tão canalha que apenas não me surpreende porque toda a relação da Meta com a checagem de fatos sempre foi de uma canalhice tremenda. Diante de uma enxurrada de críticas sobre a desinformação que ajudou a levar Trump ao poder em 2016, o então Facebook anunciou às pressas um programa em que pagaria mensalmente agências de checagem para analisar as postagens virais que fossem denunciadas por usuários. Dentro de uma plataforma interna, esses jornalistas apuravam cada uma destas postagens e enviavam sua análise para a equipe do Facebook. Era esta que decidia o que fazer com elas – desde reduzir seu alcance, taguear como desinformação, até penalizações. Ou seja: se houve "censura", nome que a direita usa para edição, sempre foi o próprio Facebook que a praticou.    

Durante anos, foi justamente esse contrato com as agências de checagem que serviu para Zuckerberg tirar o seu da reta, em bom português, livrando-se de investigações do Congresso e da Justiça americana. Em 25 de março de 2021, ele próprio testemunhou diante do Congresso americano elogiando o programa de verificação de fatos como "líder da indústria", uma prova de que a empresa de fato agia para combater as fake news. 

Veja, eu não vou defender o programa de verificação de fatos da Meta, que nunca passou de uma lavagem de marca, uma operação que pagava um trocado de pinga para grupos de jornalistas sérios do mundo todo, que hoje não têm como tirar seu sustento do jornalismo tradicional, uma crise de modelo que o Zuckerberg ajudou a criar quando dominou, ao lado do Google, 70% do mercado publicitário mundial. Era uma esmola que explorava a vulnerabilidade de uma comunidade que tem sido achincalhada e precarizada na última década, mas que segue firme aferrada à sua certeza de que os fatos, sim, importam. 

Por mim, o programa já vai tarde. 

E eu falo isso porque sei bem, eu estava lá. Em 2018, quando a Meta lançou aqui no Brasil esse programa, a Agência Pública ainda fazia fact-checking através do projeto Truco. Os representantes da Meta nos ofereceram fazer parte da parceria; seria um dinheiro fixo, todo mês, que poderia ter dado uma sobrevida ao Truco, um dos nossos projetos mais bem-sucedidos nos 13 anos da Pública

Dissemos "não". Para nós, já estava claro que o único propósito real era fingir que a empresa estava fazendo alguma coisa. Entretanto, estava apenas terceirizando um trabalho que deveria ser seu: moderar, editar, garantir que os conteúdos criados e publicados em sua plataforma não causem danos reais no mundo real, não violem a lei, não causem discriminação, violência, golpes de Estado e genocídios. Já argumentei neste espaço que, se fossem se responsabilizar por manter um debate são, calcado em realidades e civilizado, as redes sociais simplesmente iriam à falência. Seu modelo de negócios depende das informações falsas e dos discursos criminosos. Elas sabem disso.  

Há outra camada de crueldade no discurso. Ainda em 2018, mesmo tendo a Pública recusado a oferta da Meta, nossa equipe foi envolvida, junto com outras agências de checagem, em uma violenta campanha de assédio online, com ataques coordenados contra perfis, doxxing, ameaças pesadíssimas que deixaram marcas em todas as redações que sofreram isso. Era ainda a era pré-bolsonarista, em que pessoas ligadas ao MBL usavam da violência nas redes para sobressair, antes de serem atropeladas como força política nacional.  

Só que essa foi apenas uma de dezenas de campanhas semelhantes sofridas pelas agências que seguiram fazendo checagem, seja da direita ou da esquerda, por fazerem o seu trabalho. É claro que, em cenário político em que forças extremistas de direita passaram a usar sistematicamente mentiras cada vez mais absurdas – como chamar a invasão do Capitólio de "dia do amor" –, o trabalho de checagem teve que recair muito mais para esse lado da balança.  

Por isso, conforme lembraram as 70 organizações de checagem que assinaram uma carta aberta a Zuckerberg, os termos usados pelo empresário devem piorar ainda mais esses ataques. "Alguns usuários frequentemente culpavam e assediavam os checadores pelas ações da Meta", escreveram os signatários, "seus comentários recentes, sem dúvida, alimentarão essas percepções".

Agora, volto ao livro de Demuru, que sugere que os fact-checkers são "ratiosuprematistas" que ficam nas suas mesas julgando o que é verdade e o que não é, sem nenhuma preocupação em dialogar com a audiência ou inovar na linguagem e no formato. Pura bobagem: são os checadores um dos setores mais inovadores do jornalismo atualmente, não só no Brasil como nos EUA em outras regiões. Há iniciativas que vão desde parceria com o TSE, educação para a leitura de redes sociais (media literacy), colaborações inéditas entre as maiores redações do país, parcerias com artistas, influenciadores, aliança com grupos da periferia e comunicadores populares com conteúdos distribuídos via WhatsApp, uso de robôs, inteligência artificial, parcerias com linguistas; a lista é muito extensa pra contar. 

O fact-checking tornou-se um formato de jornalismo que é adotado por todos os principais conglomerados de mídia no Brasil e em outros países, como nos EUA. Trata-se de muito mais que as famosas checagens – que, sejamos sinceros, têm sim sua utilidade para qualquer debate no grupo de WhatsApp da família, se não para ser "o" argumento final, pelo menos para fortalecer o lado de quem está com a razão factual.  

Hoje, esses jornalistas especializados são os principais conhecedores do mundo da desinformação, que conseguem analisar em tempo real as ondas criadas artificialmente, seja para dar um golpe de Estado, seja para destruir um oponente político ou desviar o foco quando há uma denúncia séria contra sua empresa. Da natureza do seu trabalho, que implica monitoramento constante do debate nas redes, provêm dados confiáveis sobre quem são os atores que trabalham de maneira coordenada para impulsionar narrativas criminosas. Medem e registram quais são os perfis reincidentes, ou seja, que atuam de forma orquestrada e com um fim específico, independentemente de a mesma história já ter sido verificada dezenas de vezes. Sabem quais as relações entre essas pessoas, como se espalham as campanhas de desinformação, quais funcionam e quais não, como elas migram de uma plataforma para outra.

O trabalho dos checadores auxilia quem investiga as redes de desinformação – que é o caso da Pública desde que paramos de fazer fact-checking em 2018. Auxilia autoridades a monitorar e investigar corretamente quem faz parte de gangues online, assim como é crucial na elaboração de políticas públicas em todos os níveis que ajudem a melhorar o debate público de maneira mais ampla e não apenas em uma ou outra plataforma. Por isso, suas "checagens" ou reportagens embasam desde estudos acadêmicos até decisões judiciais e projetos de lei. 

É um serviço público na essência do termo.   

Queiram ou não Trump, Musk e Zuckerberg, o fact-checking não vai morrer, nem mesmo de inanição, porque é um serviço que já foi abraçado por diversos setores da sociedade (e, sim, também para contrariar aquele seu tio de WhatsApp). No final, o afastamento do Facebook vai ter um impacto financeiro para essas organizações, mas talvez seja melhor para elas ficarem longe dessa empresa. Fica, assim, mais claro quem incentiva e lucra com a desinformação criminosa e quem tenta de fato limpar a sujeira da infodemia online.

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