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"Nós temos um apoio fora do Brasil muito forte", disse Jair Bolsonaro ao ser perguntado sobre Elon Musk ter afirmado que não mais cumpriria as ordens do STF, tachadas por ele como "censura".
A frase deve ter ficado guardada na garganta de Jair durante muito tempo: desde a deflagração da Operação Tempus Veritatis, que confiscou o passaporte do ex-presidente, o clã Bolsonaro tem se dedicado a chamar atenção internacional. Em particular, Eduardo Bolsonaro está empenhado em aumentar o perfil do que chama de "perseguição" ao pai, como já relatei aqui na coluna. Trata-se de ação preventiva, para garantir uma contranarrativa de perseguição quando Jair for preso – o que, sabemos, é cada vez mais iminente.
Até agora, Eduardo não tivera tanto sucesso. Passou boa parte do mês de março nos Estados Unidos com uma "comitiva" formada pelos deputados Gustavo Gayer e Marcel Van Hatten, onde deu uma longa entrevista ao ex-apresentador da Fox News Tucker Carlson, reuniu-se com Donald Trump – fazendo uma ligação para Jair Bolsonaro, e tirando fotos – e tentou articular uma audiência no Congresso americano. Conseguiu apenas fazer uma conferência de imprensa diante do Capitólio que, apesar da ilustre presença do deputado republicano Chris Smith, que preside a Comissão de Direitos Humanos da Câmara de Deputados dos EUA, foi esvaziada, com pouco mais de 20 pessoas, e nem rendeu notícias por aqui. Com Donald Trump focado em ser reeleito, não houve grandes mobilizações enquanto esteve lá, e Steve Bannon nem sequer tratou da visita de Eduardo no seu podcast War Room.
A entrada de Elon Musk na campanha internacional parece ser o primeiro resultado real dessa empreitada.
Musk tem sido alvo de lobby dos bolsonaristas pelo Twitter há anos. Radicado nos EUA, o ex-apresentador da Jovem Pan Paulo Figueiredo – que esteve na conferência de Eduardo diante do Capitólio e é apontado pelo inquérito do STF como integrante do “núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral” da articulação do golpe – tem buscado interagir com Musk insistentemente na plataforma. Foi ele quem instou o dono do ex-Twitter a não respeitar as ordens de remoção de perfis ditadas pelo STF: "por que obedecer? Você tem poder suficiente para fazer a diferença", escreveu. Em resposta, Musk afirmou que iria cancelar todas as restrições a contas no Brasil. "Esse juiz [Alexandre de Moraes] aplicou multas massivas, ameaçou prender nossos funcionários e cortar o acesso ao X no Brasil. Como resultado, nós provavelmente teremos que fechar nosso escritório. Mas princípios importam mais que lucro".
A ameaça falaciosa de Musk (será que alguém acredita que ele coloca qualquer coisa acima do lucro?), junto com seus tweets provocadores direcionados a Moraes, mobilizaram e uniram as redes bolsonaristas. Logo depois, ele ainda subiu o tom, dizendo que publicaria "tudo o que foi exigido" por Moraes e que, segundo ele, violaria a lei brasileira. "Esse juiz tem descaradamente e repetidamente traído a constituição e o povo do Brasil. Ele deveria renunciar ou sofrer impeachment", tuitou.
O fato de que juízes podem sofrer impeachment no Brasil, aventado bastante por senadores e deputados bolsonaristas nos últimos anos, foi, obviamente, soprado para o bilionário. Ou seja: alguém o assessorou sobre como agir e como usar sua própria rede em conluio com as matilhas bolsonaristas digitais, cada vez mais acuadas pelas robustas evidências de que inflaram a base para respaldar uma tentativa de Golpe de Estado. Cereja do bolo, a ideia do impeachment foi rapidamente apoiada por um manifesto de deputados e influenciadores da ultradireita brasileira, em clara articulação.
Para Eduardo, não poderia haver melhor notícia. Em poucas horas, o filho 02 de Jair já conseguiu mobilizar dois apoios importantes, do deputado português André Ventura, líder do partido Chega, que cresceu vigorosamente nas últimas eleições, e do deputado espanhol Santiago Abascal, presidente do Vox, ambos condenando a "censura" no Brasil. Depois dos magros resultados na sua turnê americana, ele volta a se cacifar como articulador do bolsonarismo lá fora.
Outros influenciadores bolsonaristas, aqui e nos EUA, também se refestelaram. Nomes como Ana Paula Henkel, Leandro Ruschel, Luiz Philippe de Orleans e Bragança e até mesmo o foragido Allan dos Santos, que fez uma live no X no domingo, desafiando a ordem de banimento decretada pelo STF. Glenn Greenwald, que tem se tornado uma importante voz para os direitistas americanos, repetiu acusações contra Moraes e afirmou que "muitos regimes de censura estão crescendo ao redor do mundo, mas o Brasil foi o que mais avançou. Apenas a resistência das plataformas de tecnologia pode detê-lo."
Mas é claro que, quando um bilionário decide embarcar em uma guerra contra um país, há uma enorme costura política por trás disso. Não se trata, além disso, apenas de alguns tuítes ou bravatas. Musk disponibilizou documentos internos da sua empresa ao influencer americano Michael Shellenberger e a Eli Vieira, colunista da Gazeta do Povo, repetindo uma estratégia que adotou nos EUA assim que comprou o Twitter.
Aqui, como lá, a ideia do vazamento dos "Twitter Files" pelo novo dono bilionário – uma estratégia de vazamento bem diferente dos whistleblowers decentes que temos conhecido, como Edward Snowden – era demonstrar que os governos "progressistas" estavam pressionando as Big Techs a censurarem conteúdo de maneira abusiva.
Aqui no Brasil, até agora, apareceu pouca coisa relevante. A reportagem da Gazeta do Povo mostra como um conselheiro jurídico do Twitter, Rafael Batista, estava reclamando com a sua equipe por requerimentos da PF sobre "registros de login, entre outras informações" que "não atendem às exigências legais do Marco Civil" para a coleta de dados. Em resposta, Batista não as entregou por considerar que esses dados só poderiam ser fornecidos mediante ordem judicial, o que aconteceu mais tarde, pelo TSE. Rafael passou a ser investigado pelo MP, num processo que foi arquivado depois.
Outros e-mails mostram o que todo mundo já sabia: que o TSE estava buscando desmonetizar contas que estavam notoriamente participando de milícias digitais que atacavam o STF e as urnas brasileiras, como Te Atualizei, Jornal da Cidade Online e Folha Política, e outras que promoveram hashstags golpistas como #VotoImpressoNão, #VotoDemocráticoAuditável e #BarrosoNaCadeia.
O que mais interessa nas revelações até agora são apreciações internas no Twitter de que as investigações do TSE teriam "um componente político forte", o que é, claro, eles têm todo direito de pensar. Assim, talvez o que foi exposto até agora funcionasse como matéria jornalística de interesse público, se tivesse sido publicada antes da Operação da PF que revelou o plano de Bolsonaro, bem mapeado e referendado por dois dos três ex-comandantes das Forças Armadas, de dar um golpe de Estado usando para isso desinformação orquestrada e financiada com recurso público.
A essa altura, a ação de Musk é contranarrativa pura.
Nos Estados Unidos, os "Twitter Files" insuflaram os estados republicanos de Louisiana e Missouri a iniciarem um processo judicial que beira o surrealismo, alegando que contatos entre o Executivo e empresas de tecnologia feriam a liberdade de expressão, o que gerou uma decisão ainda mais aberrante de um juiz de primeira instância, em julho do ano passado, proibindo o governo de Joe Biden de manter qualquer contato com funcionários das plataformas. A proibição foi suspensa porque o caso está sendo debatido na Suprema Corte.
Se é algo assim que Musk espera por aqui, pode tirar seu cavalinho digital da chuva.
Muito pelo contrário, Alexandre de Moraes determinou que Musk seja investigado por incitação ao crime e obstrução da Justiça, e determinou uma multa de R$100 mil para cada perfil que ele reativar. Além disso, segundo o Uol, Moraes teria consultado a Anatel sobre procedimentos para retirar o Twitter do ar.
Claro, uma investigação sobre os atos de Musk pode parecer apressada, mas como sabem meus leitores, os caminhos da manipulação do debate público têm interferido nas nossas democracias de maneira antes inimaginável. Por mais que queiram, as empresas que controlam a internet não operam num mundo sem lei. E há, ainda, muitas perguntas a serem respondidas pelo ex-Twitter. Por exemplo, o quanto esse surto online de Musk resulta de uma articulação com o clã Bolsonaro buscando impedir um ato da Justiça – a prisão daquele que, segundo todas as evidências indicam, foi o arquiteto de uma tentativa de golpe de Estado? Além disso, estaria Musk usando as instalações, computadores ou equipe do Twitter Brasil numa campanha para atacar a Corte suprema? E, pior, poderia estar havendo uso do algoritmo para reforçar mentiras sobre as eleições?
Não se sabe. Mas o tamanho do burburinho prova que, com a plataformização da internet, um punhado de bilionários têm o poder de intervir no debate público, na política e até na Justiça de países inteiros.
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