Durante a votação de uma das propostas legislativas consideradas cruciais por ambientalistas e especialistas para evitar novas tragédias como a que atinge o Rio Grande do Sul, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) negou que o episódio tenha relação com as emissões de carbono na atmosfera.
Durante a votação de uma das propostas legislativas consideradas cruciais por ambientalistas e especialistas para evitar novas tragédias como a que atinge o Rio Grande do Sul, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) negou que o episódio tenha relação com as emissões de carbono na atmosfera. Há um amplo consenso científico de que essas emissões, produzidas principalmente pela queima de combustíveis fósseis como petróleo, gás e carvão, são as responsáveis pela alteração dos padrões climáticos globais e o aumento da frequência e intensidade de eventos extremos, como as chuvas que arrasam o estado gaúcho.
Bolsonaro abriu a discussão do projeto de lei (PL) 4.129/21 no plenário do Senado nesta terça-feira, 14 de maio. A matéria busca estabelecer diretrizes para os planos de adaptação municipais e estaduais aos impactos das mudanças do clima. O PL é apontado pela Frente Parlamentar Ambientalista como uma das cinco matérias prioritárias, em trâmite no Legislativo, para "construir e reforçar as bases legais e constitucionais de adaptação e resiliência do clima no país".
Os planos de adaptação são fundamentais, segundo especialistas, para que cidades e estados diminuam a vulnerabilidade de suas populações e infraestruturas aos efeitos de tempestades ou secas extremas, por exemplo. A ideia é evitar sobretudo mortes, como as 147 já registradas no Rio Grande do Sul desde o início das chuvas, e o comprometimento de equipamentos fundamentais à vida das pessoas, como rede de esgoto, energia elétrica, estradas, escolas e hospitais, entre outros.
"Eu pergunto: o que está acontecendo no Rio Grande do Sul tem relação com emissão de carbono na atmosfera ou tem relação com o zoneamento urbano de todas as cidades impactadas? Tem a ver com queima de petróleo ou tem a ver com questões geográficas, a realidade regional daquelas várias cidades que estão em uma área suscetível a alagamento?", questionou Bolsonaro na tribuna.
"Se aconteceu algo similar, óbvio que não nas mesmas proporções do que está acontecendo neste momento, em 1941 [quando se deram as enchentes que, até o início do mês, haviam sido as maiores já registradas no RS], no estado do Rio Grande do Sul, é de se concluir, de uma forma lógica, que não é pelas circunstâncias globais", prosseguiu. "Será que o que está acontecendo agora é porque emitimos mais carbono na atmosfera do que emitia-se em 1941? Não. A realidade é que cidades foram construídas, [gerando] mais asfalto, mais cimento, prédios, menos áreas de absorção de água nessa área que já é propícia a alagamentos. É o crescimento urbano desordenado."
O pano de fundo das falas de Bolsonaro não é a negação de que as mudanças climáticas existam, mas de que estejam relacionadas à ação humana por meio da emissão de gases de efeito estufa, decorrentes sobretudo da queima de combustíveis fósseis. Essa é uma estratégia comum entre negacionistas do clima. Reportagem da Agência Pública mostrou que a Brasil Paralelo, que produz conteúdos com esse argumento, tem um representante na vice-prefeitura de Porto Alegre.
O senador tentou sugerir duas emendas ao projeto de lei, o que não foi possível porque o prazo de apresentação de propostas de mudança no texto se encerrou em 8 de março, conforme explicou o presidente do Senado Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que presidia a sessão.
Havia a expectativa, entre ambientalistas, de que o PL fosse aprovado pelo Senado ainda hoje e seguisse para apreciação final na Câmara, onde foi apresentado pela deputada Tabata Amaral (PSB-SP) em novembro de 2021. Mas Bolsonaro insistiu para que, antes disso, o texto passasse pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado. Antes de ir a plenário, o PL foi discutido e teve um substitutivo aprovado na Comissão de Meio Ambiente da Casa, sob relatoria do senador Alessandro Vieira (MDB-SE).
De última hora, um acordo foi construído entre com o líderes do governo, Jaques Wagner (PT-BA), e da oposição, Rogério Marinho (PL-RN), no Senado para que a matéria seja debatida no dia 15 de maio na CCJ, como primeiro item da pauta, sem que haja pedido de vistas por senadores oposicionistas. Em seguida, a proposta deve retornar ao plenário do Senado para, finalmente, ser submetida à votação.
O coro negacionista de Bolsonaro foi engrossado por senadores bolsonaristas como o Astronauta Marcos Pontes (PL-SP) e Jaime Bagattoli (PL-RO). Os três são integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), a chamada bancada ruralista. A Pública identificou que parlamentares alinhados ao grupo ajudam a reproduzir discursos negacionistas sobre a crise climática, impulsionados sobretudo por associações de produtores rurais.
Senadores da frente ambientalista e de partidos de esquerda questionaram as falas negacionistas de Bolsonaro durante a sessão. "Não podemos mais achar que não devemos debater questões reais, que estão tirando a vida de muitos brasileiros, porque negamos, nesta Casa, a tratar com responsabilidade as questões relacionadas às mudanças climáticas", afirmou Leila Barros (PDT-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente do Senado".
Já Fabiano Contarato (PT-ES) destacou que a aprovação do projeto tem "total conexão e nexo causal" com a catástrofe enfrentada no Rio Grande do Sul.
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