As mudanças climáticas têm relação direta com as chuvas extremas que atingiram o Rio Grande do Sul entre o fim de abril e o começo de maio e causaram a maior tragédia ambiental já vivida pelo estado.
As mudanças climáticas têm relação direta com as chuvas extremas que atingiram o Rio Grande do Sul entre o fim de abril e o começo de maio e causaram a maior tragédia ambiental já vivida pelo estado. Um estudo científico lançado nesta segunda-feira (3) identificou que o aquecimento global causado por atividades humanas, aliado à falta de infraestrutura, tornou a tragédia duas vezes mais provável de acontecer e aumentou sua intensidade numa escala de 6% a 9%.
Produzido por 13 cientistas – entre os quais, dois brasileiros – vinculados ao centro de pesquisas World Weather Attribution (WWA), o estudo avaliou dois períodos de chuvas extremas: um mais longo, de dez dias, em que ocorreram sucessivos eventos de chuva entre 26 de abril e 5 de maio; e um mais curto no meio desse período, em que se considera que aconteceu o evento único mais severo, ao longo de quatro dias, de 29 de abril a 2 de maio.
A análise mostra que o fenômeno natural El Niño também influenciou na ocorrência de ambos: fez com que fossem de duas a três vezes mais prováveis e ampliou sua intensidade em 4% a 8%, no caso do primeiro, e de 3% a 10%, no caso do segundo.
“O El Niño, por si só, já traz impacto [em aumento de chuvas] para a região Sul do Brasil. A mudança do clima veio para intensificar ainda mais [esses efeitos]”, explicou Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e um dos autores da pesquisa, em entrevista à Agência Pública.
O trabalho mostra que, de fato, as chuvas foram atípicas e sem precedentes. Em Porto Alegre, por exemplo, de 29 de abril a 2 de maio, foi registrado um volume pluviométrico de 258,6 milímetros, o equivalente a dois meses de chuvas na comparação com níveis normais para abril (114,4 milímetros) e maio (112,8 milímetros).
No entanto, os cientistas concluíram que fatores de vulnerabilidade social preexistentes nos territórios afetados contribuíram para que a tragédia que se abateu sobre o estado atingisse enorme magnitude. Até agora, há notícia de 172 pessoas mortas, mais de 580 mil desalojados e 2,3 milhões de afetados, segundo a Defesa Civil gaúcha.
Entre esses fatores, o estudo aponta a distribuição desproporcional da infraestrutura de proteção contra enchentes, que propaga desigualdades em ambientes urbanos. “Regiões desprotegidas, normalmente habitadas por populações mais pobres, enfrentam riscos mais elevados de inundações e impactos associados”, constata o grupo de pesquisadores.
“Essa disparidade cria uma armadilha de pobreza, em que aqueles que vivem em áreas desprotegidas são mais suscetíveis a desastres relacionados a inundações, levando a repetidas perdas [materiais] e prejudicando o progresso econômico”, escrevem.
“O Brasil, de uma maneira geral, tem se demonstrado vulnerável a eventos climáticos extremos, sejam de chuva intensa, como agora, ou com o oposto [secas]. É urgente trabalhar a melhoria da infraestrutura de drenagem urbana, por exemplo, e implementar um sistema de alerta precoce e evacuação”, pontua Alves.
“Aí entra o aspecto do trabalho de educação [climática]. Não basta simplesmente tocar uma sirene [quando há um alerta de chuvas]. As pessoas vão para onde? Precisa de um acompanhamento e logística, para retirar essas pessoas [das áreas de risco].”
A análise cita ainda o descumprimento da legislação ambiental brasileira como outro dos elementos que pode ter colaborado para a deflagração da catástrofe. Os pesquisadores mencionam que o Código Florestal brasileiro, vigente desde 2012, estabelece que as propriedades rurais no Rio Grande do Sul devem preservar 20% de suas áreas de vegetação nativa, o que não vem ocorrendo.
Os pesquisadores também destacam que, em 2020, o governo e a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul instituíram um novo Código Ambiental estadual que alterou 480 normas majoritariamente para flexibilizá-las.
Pesquisas como a produzida pela WWA são chamadas de “estudos de atribuição”, que mensuram a influência das mudanças climáticas provocadas por ações humanas – sobretudo a queima de combustíveis fósseis – em eventos climáticos extremos. Para isso, é necessário comparar a probabilidade da ocorrência de um determinado evento como esse em um cenário sem aquecimento global e no contexto atual, em que a temperatura média do planeta já subiu cerca de 1,2 ºC na comparação com o período anterior à Revolução Industrial.
“Com isso, é possível fazer a análise estatística de qual foi a probabilidade do evento ocorrer com ou sem o componente humano”, afirma Alves, que participou de estudos sobre a seca que atingiu a bacia do Rio Amazonas no segundo semestre de 2023 e as chuvas que acometeram Pernambuco em maio de 2022. Ambos os eventos, de acordo com as análises, também sofreram influência das mudanças climáticas.
Apenas em 2023, a WWA analisou 120 eventos extremos ao redor do mundo com impactos suficientemente severos para justificar estudos de atribuição, sendo que 14 foram examinados detalhadamente.
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