O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conduz, desde 23 de julho, a reintegração de posse de seis lotes de terras ocupados ilegalmente por fazendeiros no Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, um dos maiores da América Latina, em área dos municípios de mesmo nome, a 429 km de Cuiabá.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) conduz, desde 23 de julho, a reintegração de posse de seis lotes de terras ocupados ilegalmente por fazendeiros no Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, um dos maiores da América Latina, em área dos municípios de mesmo nome, a 429 km de Cuiabá.
Fazendeiros de soja e pecuaristas se reuniram em praça pública em Itanhangá (MT), para discutir como impedir a retomada na região – que tem 115 mil hectares divididos em mais de mil lotes. Dias depois, homens armados ameaçaram famílias e servidores do Incra que trabalhavam na reintegração. Os invasores montaram barreiras na entrada do assentamento para bloquear o acesso e dificultar a retomada.
A ofensiva dos fazendeiros também incluiu pedidos judiciais para frear a reintegração. O desembargador João Carlos Mayer Soares, da 6ª Turma do Tribunal Federal Regional da 1ª Região (TRF-1), concedeu uma liminar proibindo a retomada de parte dos lotes reclamados pelo Incra, sem impedir totalmente a reintegração – que segue em seis deles. A liminar repercutiu na imprensa local, com veículos sugerindo que a retomada havia sido proibida – uma informação desmentida oficialmente pelo Incra, em contato com a Pública.
A gravidade da situação fez com que a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF) pedissem reforço policial contínuo durante a reintegração, dado o risco de conflitos. Segundo os órgãos, o governo Mauro Mendes (União) "adotou uma controversa política de 'tolerância zero' a invasões e ocupações", tornando "indispensável que o mesmo vigor protetivo seja observado em favor das famílias assentadas".
De acordo com a Procuradoria Federal Especializada do Incra, há autorização judicial para retomada de outros 136 lotes na área – dominada por lavouras de soja, com poucos resquícios da vegetação originária desse ponto do Cerrado.
Em 2014, o MPF e a Polícia Federal (PF) deflagraram a operação Terra Prometida, revelando um esquema milionário de invasão de fazendeiros nas terras públicas da área do Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá. Em 2016, a operação Theatrum aprofundou o caso, identificando o envolvimento de servidores públicos no esquema, com fraudes documentais em processos do Incra.
Há pelo menos 80 inquéritos policiais sobre a exploração ilegal de terras no assentamento por crimes como associação criminosa armada, desmatamento, extração ilegal de madeira, estelionato, corrupção ativa e passiva, além de ameaças.
"Estamos retomando apenas lotes controlados por grandes fazendeiros. Investigações da PF já identificaram tais lotes, bem como 'laranjas' e concentradores [de terras] relacionados às invasões, pois há latifundiários dentro do assentamento", disse à Agência Pública a diretora da Câmara de Conciliação Agrária (CCA) do Incra, Maíra Coraci Diniz, que acompanhou in loco o início da reintegração.
"Todo ocupante identificado como pequeno agricultor, que se enquadre nos requisitos legais de beneficiários da reforma agrária ou de assentado originário, terá sua posse regularizada", afirma Diniz.
A Pública apurou que os seis lotes retomados não eram habitados por nenhum dos invasores, que usavam as áreas apenas para o cultivo de soja. Com as terras novamente sob controle do governo federal, as áreas serão divididas em lotes de 25 a 30 hectares cada um, a serem passados a 15 famílias de agricultores sem-terra – que terão acesso a crédito agrícola para restauro e manejo rural na área.
Meses antes da retomada, o atual prefeito de Itanhangá, Edu Laudi Pascoski (PL), alertou os fazendeiros da região sobre o avanço do Incra na retomada do Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá. Somada à manifestação da Associação Mato-grossense de Municípios (AMM), na qual Pascoski ocupa uma das vice-presidências, a fala foi vista pelo Incra como prova da resistência do poder local às decisões judiciais contra os invasores.
Em áudio gravado meses antes do início da reintegração, obtido pela Pública, o prefeito de Itanhangá relatou que um "coronel da polícia de Mato Grosso" estaria visitando os lotes que o Incra reclama na Justiça, para identificar as áreas "vazias".
Pascoski disse ainda: "Tem que avisar os 'caras' pra cada um estar 'em cima' do seu sítio, pro coronel saber que tem gente lá e fazer o documento [dizendo] que [o lote de terras] tem proprietário, que cada um tá trabalhando no seu. [â¦] Não é retomada nem nada, é um 'estudo' para saber se tem produção no sítio, se o 'cara' tá em cima. Porque se tá vazio, se ninguém aparecer, aí ele vai colocar que está vazio, abandonado, e aí vai ser mais fácil pra Força Nacional vir com o Incra e retomar".
A Pública entrou em contato com a prefeitura de Itanhangá, para saber o que ela tem feito para auxiliar a reintegração de posse, além dos motivos por trás do áudio enviado pelo prefeito a fazendeiros da região, mas não houve retorno. Caso se manifestem, este texto será atualizado..
Pascoski não é o primeiro político ligado a esforços em prol dos fazendeiros locais. Durante o governo Bolsonaro, o filho do ex-presidente e deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL) mediou um encontro do deputado estadual Gilberto Cattani (PL) com o então diretor de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamento do Incra, Giuseppe Serra Seca Vieira, para tratar do Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, como revelado pelo colunista da Pública Rubens Valente no UOL, em abril de 2022.
A região em questão se tornou um dos polos do agronegócio no centro-norte de Mato Grosso ao longo dos últimos 20 anos. Desde a criação do Projeto de Assentamento Tapurah/Itanhangá, em 1996, houve a venda ilegal de mais de mil lotes na área, segundo a PF, além da invasão de fazendeiros e grileiros.
Até setembro de 2023, o Incra contabilizava pelo menos 82 ações judiciais para retomada de 244 lotes dentro do assentamento. Parte das ações ainda não havia sido julgada pela Justiça Federal e houve recursos dos invasores em alguns casos, impedindo a reintegração total. Na ocasião, o Incra já tinha autorização para retomar 142 dos 244 lotes invadidos.
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