Enquanto a temporada de chuvas começa em São Paulo, a maior parte do dinheiro que deveria ser usado para obras contra deslizamentos de terra está parada no caixa da prefeitura.
Enquanto a temporada de chuvas começa em São Paulo, a maior parte do dinheiro que deveria ser usado para obras contra deslizamentos de terra está parada no caixa da prefeitura. Sob a gestão de Ricardo Nunes (MDB), a administração municipal empenhou, até 17 de outubro, apenas 23% do orçamento anual previsto para obras e serviços de prevenção em áreas de risco geológico, que inclui deslizamentos de terra.
O recurso é dividido entre obras de prevenção e emergência. Só 27% do montante destinado para ações preventivas foi empenhado. Com relação a obras emergenciais, nenhum valor foi empenhado até o momento, apesar de a cidade ter registrado quase 150 chamados de deslizamentos entre janeiro e agosto de 2024.
Os dados foram obtidos na Secretaria da Fazenda e mostram a falta de aplicação de recurso para enfrentar uma ameaça que atinge mais de 200 mil famílias, conforme revelou reportagem da Agência Pública.
Em 2024, a prefeitura orçou R$ 24 milhões para obras e serviços preventivos nas áreas de risco geológico, que depois foram atualizados para R$ 63,3 milhões. Apenas R$ 17,2 milhões haviam sido empenhados até outubro, no entanto. Já o orçamento para obras de caráter emergencial foi de R$ 28 milhões, posteriormente atualizado para R$ 10,4 milhões. Mas nada foi empenhado até o momento.
"Esse tipo de obra, especialmente a de prevenção, é extremamente importante. E considerando que o período de maior estiagem, de maio a novembro, é o mais propício para a realização das obras preventivas, o recurso já deveria estar não só empenhado, como ter sido utilizado", afirma Henrique Frota, diretor-executivo do Instituto Pólis.
Frota avalia que, independentemente do resultado do segundo turno das eleições, disputado entre Nunes e Guilherme Boulos (PSOL), o futuro prefeito da capital paulista estará sujeito a enfrentar problemas no início da gestão. "A não utilização do recurso público e a não realização das obras de contenção de encostas e outras soluções de engenharia que possam minimizar os riscos vai deixar um passivo muito difícil de ser resolvido em janeiro, quando as chuvas mais fortes já estarão acontecendo."
Um dos caminhos possíveis para avançar na realização de obras em área de risco é a execução do recém-publicado Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), que Nunes vem alardeando como um dos feitos de sua gestão. O plano identifica as áreas de risco na capital e estabelece estratégias para evitar desastres.
O que o prefeito não diz é que a formulação do plano só ocorreu após decisão judicial obrigar a prefeitura a apresentar o documento, em ação movida pelo Ministério Público de São Paulo (MPSP). A gestão Nunes tentou adiar a formulação do PMRR alegando problemas de segurança em regiões dominadas pelo crime organizado. A versão anterior do documento havia sido formulada mais de uma década atrás, em 2010.
O plano formulado pela gestão Nunes aponta 519 áreas de risco geológico – como deslizamentos de terra – e 266 de risco hidrológico – como enchentes e alagamentos. Das 785 áreas mapeadas, porém, somente as 100 de maior risco receberam projetos de intervenção para mitigação do risco. A Pública questionou a prefeitura sobre quais ações já foram efetivadas para as áreas em que houve formulação de plano e qual o planejamento para contemplar as demais, mas não obteve respostas até a publicação.
A gestão de Nunes havia previsto também R$ 1 milhão para "ações de monitoramento de mudanças climáticas", mas a previsão foi retirada do orçamento atualizado. Essa rubrica faz parte do programa "gestão dos riscos e promoção da resiliência a desastres e eventos críticos", que tem previsão de R$ 3,2 bilhões no orçamento atualizado e inclui intervenções no sistema de drenagem e operação da Defesa Civil.
Restando menos de dois meses e meio para o fim do ano, 22% do valor previsto nesse programa ainda não foi empenhado, incluindo R$ 1 milhão para "obras de combate a enchentes e alagamentos", valor total previsto para essa ação. A Pública questionou a prefeitura também sobre esses valores, mas não teve retorno.
As chuvas voltaram ao centro da pauta em São Paulo depois da tempestade com fortes ventos que atingiu a região metropolitana em 11 de outubro, resultando em mais de 3 milhões de residências sem luz. Nunes vem sendo alvo de críticas por sua gestão frente a mais um apagão na cidade de São Paulo, o terceiro em menos de um ano.
Segundo o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD), mais de 50% das ocorrências no mais recente apagão tiveram como causa a queda de árvores na rede elétrica. Desde então, a concessionária Enel e a gestão do atual prefeito e candidato à reeleição têm atribuído ao outro a responsabilidade pela poda de árvores que poderia ter evitado a magnitude do incidente. A prefeitura diz que há 6 mil podas pendentes de responsabilidade da Enel, o que a empresa nega.
Segundo reportagem do UOL, mais de 25% das solicitações de poda feitas à prefeitura no primeiro semestre de 2024 não foram atendidas, a maior parte delas na periferia.
Além do PMRR, a gestão de Ricardo Nunes aponta como um dos destaques da sua gestão na questão climática a formulação do Plano de Ação Climática (PlanClima) de São Paulo – que na verdade ocorreu ainda na gestão do prefeito Bruno Covas (PSDB), morto em maio de 2021, e a quem Nunes sucedeu.
O PlanClima visa identificar e propor ações para que a cidade atinja a neutralidade de emissões de carbono até 2050, além de sugerir medidas de adaptação e resiliência. Há metas de curto, médio e longo prazo, que vão de reduzir a emissão de poluentes e estimular a economia verde, até minimizar alagamentos e inundações.
Uma das metas previstas no plano é alcançar 50% da frota de ônibus municipais com emissão zero até 2028. A despeito de não ter um objetivo intermediário previsto no PlanClima, o Programa de Metas da prefeitura de 2021 estabeleceu que, até o final de 2024, 20% da frota de ônibus da cidade seria de veículos elétricos – cerca de 2.600 ônibus, portanto.
A meta foi reafirmada pelo prefeito Ricardo Nunes em setembro de 2023, quando ele participou da cerimônia de entrega de 50 novos ônibus elétricos. Faltando dois meses e meio para o fim do ano, no entanto, ela está muito distante de ser cumprida.
Como revelou o Diário do Transporte, apenas 207 veículos elétricos compunham a frota da cidade até o mês passado, menos de 10% do prometido, e não há notícia de novas aquisições. Para cumprir o objetivo, seriam necessários 34 novos ônibus por dia até 31 de dezembro. A cidade tem ainda 201 trólebus, veículos que também não emitem gases do efeito estufa, mas que Nunes pretende descontinuar. A Pública questionou a prefeitura sobre o cumprimento da meta, mas não teve retorno.
Essa não é a única meta prevista no PlanClima que está longe de ser executada na íntegra. "Eu não vejo ação concreta saindo do plano", aponta o professor Afonso Celso Vanoni de Castro, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Mackenzie.
"O PlanClima tem um capítulo sobre chuvas, pontuando que o que provoca uma tragédia é a remoção da vegetação, o aumento da impermeabilização, a ocupação das áreas de inundação. Tudo isso que a gente entende como a história, o plano reconhece. Agora, o que o plano propõe em relação a isso? Ele não propõe, a verdade é essa", diz.
Na visão de Vanoni de Castro, que tem pesquisas na área de mudanças climáticas e infraestrutura, o PlanClima teve, até agora, um papel mais "cosmético" do que alguma efetividade em orientar a formulação de políticas públicas do município. "Essa última revisão do Plano Diretor, por exemplo, foi feita totalmente a portas fechadas dentro da Câmara Municipal, com vereadores financiados pelo mercado imobiliário atendendo o mercado imobiliário. E esse Plano Diretor não contempla isso [os efeitos das mudanças climáticas]", aponta.
Ricardo Nunes se orgulha também de ter criado a Secretaria Executiva de Mudanças Climáticas de São Paulo (Seclima) – uma das poucas no mundo, segundo ele. O atual titular da pasta é José Renato Nalini, ex-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-secretário estadual de Educação, na gestão de Geraldo Alckmin (então no PSDB, hoje no PSB). Até onde se tem notícia, Nalini jamais questionou o papel humano nas mudanças climáticas. Tampouco o fez seu antecessor, o ex-vereador Gilberto Natalini (PV).
Não se pode dizer o mesmo do primeiro e mais longevo ocupante do cargo, o advogado ambiental Antonio Fernando Pinheiro Pedro. Em julho de 2023, veio à tona uma declaração de Pinheiro Pedro, então à frente da pasta, de que "o planeta se salva sozinho” do aquecimento global. Ele tecia críticas a estudos científicos. Na época, Pinheiro Pedro se defendeu dizendo que a afirmação foi "tirada de contexto" e tinha objetivos difamatórios, mas pediu exoneração, depois de mais de dois anos à frente da pasta.
O advogado, apoiador de primeira hora da malfadada tentativa do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL) de se candidatar à prefeitura de São Paulo, foi um dos articuladores das medidas adotadas pelo então ministro para "passar a boiada", como revelou a Folha de S.Paulo.
Atualmente, ele mantém um blog em que ataca a imprensa, a esquerda, o governo Lula, o "globalismo" e defende Israel, com recorrentes citações ao falecido ideólogo Olavo de Carvalho.
A despeito de ter sido secretário de Ricardo Nunes, ele apoiou o ex-coach Pablo Marçal (PRTB) no primeiro turno das eleições municipais e criticou a atuação do ex-chefe diante da chuva que atingiu a região metropolitana de São Paulo em 11 de outubro. O texto critica o "uso ocasional de jaquetinhas da defesa civil" e aponta "falta de poda preventiva" por parte da gestão municipal – da qual ele fez parte.
Apesar disso, ele se autoelogia e diz que os problemas começaram depois que ele saiu. Diz que a prefeitura "reduziu sensivelmente as atribuições da própria secretaria, diluindo a governança climática por interesses outros", sem especificar a que se refere.
Pinheiro Pedro não é o único ex-secretário de Mudanças Climáticas da cidade a criticar ações da gestão Nunes. Gilberto Natalini, que chefiou a pasta entre julho de 2023 e janeiro de 2024, afirmou à Pública que "a velocidade da ação [da prefeitura] não é do tamanho da velocidade dos eventos climáticos extremos". O ex-vereador também classifica como "insuficiente" o PMRR.
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