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Os brasileiros consideram as empresas muito mais competentes e éticas do que os governos. As companhias quase empatam com as ONGs nas avaliações positivas em relação à ética, embora estejam à frente em competência, e têm uma imagem muito melhor do que a mídia brasileira nos dois quesitos.
Os achados do relatório de 2024 do Edelman Trust Barometer, um "medidor" da reputação das empresas e instituições ao redor do mundo, mostram que o Brasil está entre os países que mais desconfiam de governos – e do jornalismo – e mais confiam nas empresas.
Isso apesar do desrespeito contumaz aos brasileiros não apenas como consumidores, mas como cidadãos, como mostraram recentemente os apagões da Enel.
Talvez o exemplo mais gritante seja o rompimento das barragens da Vale em Brumadinho, com 270 mortos, e em Mariana – essa de propriedade da Samarco, joint venture da Vale com a megamineradora anglo-australiana BHP Billiton, que, nesta semana, enfrentam o julgamento da maior ação coletiva ambiental da história da Justiça britânica.
O processo em Londres, que deve ser finalizado em março do ano que vem, busca determinar a reparação a ser feita pelas mineradoras pela tragédia que matou 19 pessoas e afetou toda a bacia do rio Doce em novembro de 2015. Os pedidos de indenização somam 46,8 bilhões de dólares (R$ 266 bilhões) e são movidos por cerca de 620 mil pessoas atingidas, 46 municípios, comunidades quilombolas e pelo povo indígena Krenak.
No Brasil, depois do fracasso da Justiça e da Fundação Renova para reparar de forma proporcional os danos e violações de direitos humanos causados pelo rompimento da barragem em Mariana, o governo acelerou as negociações para fechar um novo acordo com as mineradoras, provavelmente nesta sexta-feira (25/10). Trata-se da repactuação de um acordo assinado em 2016, que vem sendo discutido desde 2022, com atualização dos valores de reparação para R$ 167 bilhões (R$ 130 bilhões de novos recursos).
De acordo com a coluna Entrelinhas do Poder, da Agência Pública, os atingidos reclamam que não participaram das negociações, que estão sendo fechadas a toque de caixa por interesse das mineradoras, para que elas possam alegar "perda de objeto" na ação em Londres, como explicou à reportagem a professora de direito do campus Governador Valadares da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Luciana Tasse.
Tanto em Brumadinho como em Mariana ninguém foi responsabilizado criminalmente, apesar da reincidência da mineradora Vale em tragédias evitáveis, provocadas por negligência e fraude, que tiraram a vida de centenas e atingiram os direitos de milhares de pessoas, além da destruição ambiental.
Nesta semana foi divulgado o Projeto Rio Doce – FGV, um estudo da Fundação Getulio Vargas com base em dados do Datasus que mostra uma redução média de dois anos e meio na expectativa de vida nas localidades atingidas. Em alguns municípios, a perda pode significar até 24 anos a menos de vida. “A gente identifica um aumento de até 100% em casos de câncer em municípios atingidos pelo rompimento da barragem, casos de aborto de até 400% acima nos municípios atingidos, quando comparado com os não atingidos, e também de mais de 400% no caso de arboviroses, como chikungunya, por exemplo", afirma Leandro Patah, coordenador do projeto.
Mas, se os governos e a Justiça falharam em punir a empresa, a imprensa também poupou a companhia, passada a comoção das tragédias. O foco da cobertura recente da Vale até o momento em que foi noticiado o julgamento em Londres foi a escolha do novo CEO, Gustavo Pimenta, que tomou posse em agosto. O tom da maioria das reportagens era de crítica, mas ao governo federal, que estaria tentando interferir na sucessão.
Mesmo nos casos de lobbies e corrupção – que quase sempre envolvem atores privados –, as denúncias recaem principalmente sobre os agentes públicos, o que contribui para a impunidade das empresas e para minar a credibilidade da política, elemento essencial da democracia.
Fiscalizar governos é fundamental para a população e dever dos jornalistas, mas o mesmo vale em relação às empresas que têm um papel cada vez mais relevante na vida das pessoas. É por esse motivo que desde a fundação, a Pública apura as violações de direitos humanos provocadas por companhias públicas e privadas: foram 184 investigações, 55 delas apenas no setor de mineração, seguido pelo agronegócio (21) e energia (20) em dez anos (2012 a 2022).
O caso mais chocante de silêncio da mídia que presenciamos durante esse período se refere às investigações que fizemos a partir de 2020 sobre os crimes sexuais de Samuel Klein, fundador da maior empresa de varejo do país, as Casas Bahia – e, como a Vale, uma das maiores anunciantes do país. Mesmo com tanta gente envolvida e abusos cometidos por Klein dentro da sede da empresa, os crimes ficaram ocultos por 30 anos.
Quando a primeira reportagem foi publicada, em abril de 2021, trazendo, além de depoimentos de vítimas e funcionários da empresa, imagens e documentos, a pergunta inevitável era: como uma rede de aliciamento de crianças e adolescentes para exploração sexual sob o comando de um poderoso homem de negócios se escondeu por tanto tempo?
A resposta começou a aparecer quando, apesar dos elogios profusos dos colegas sobre a qualidade da apuração, que viralizou nas redes, provocou protestos públicos e motivou a criação de um projeto de lei, nenhum veículo grande repercutiu as denúncias. Uma decepção, mas que reforçou a nossa fé no jornalismo independente.
É essa história triste, mas imprescindível, que você poderá agora ouvir, a partir do dia 5 de novembro, quando a Pública lança o podcast narrativo "Caso K – A História Oculta do Fundador da Casas Bahia", financiado com apoio da nossa audiência. Uma aliança entre leitores e jornalistas para romper o pacto de silêncio bancado por aquela outra aliança – a de empresas e donos de mídia. E você pode nos ajudar a fazer mais barulho com essa história: apoie a Pública e não deixe que ela seja esquecida.
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