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Déficit Fiscal

Déficit fiscal: por que nem Kamala nem Trump falaram sobre tema crucial para os EUA

Baseado em Miami, Paulo Gitz, estrategista global da XP Inc.


Baseado em Miami, Paulo Gitz, estrategista global da XP Inc., acompanha literalmente de perto as eleições americanas. Com a missão de decifrar o cenário global e orientar clientes sobre investimentos em diversas classes de ativos, Gitz mergulhou na corrida presidencial para avaliar os potenciais impactos econômicos.
Um ponto crucial: a política fiscal. Embora não seja uma prioridade no dia a dia do eleitor, o tema tem impacto direto e se torna cada vez mais urgente nos Estados Unidos.
Em outubro, o déficit fiscal americano acumulou US$ 1,8 trilhão nos últimos 12 meses – um aumento de US$ 138 bilhões em relação ao período anterior. Nos últimos 50 anos, o país registrou superávit em apenas quatro ocasiões, a última delas em 2001. Como porcentagem do Produto Interno Bruto (PIB), o déficit atingiu 6,3% em 2023.
Com base nas propostas de campanha, quem demonstraria mais responsabilidade fiscal, Donald Trump ou Kamala Harris? Gitz diverge da percepção predominante no mercado.
“O mercado tem um consenso de que os democratas seriam um pouco melhores do ponto de vista de déficit fiscal, por conta de um aumento de impostos,” afirmou Gitz. “Mas, se olharmos as pessoas próximas que provavelmente comporiam o primeiro escalão do governo Trump, elas falam em reduzir o tamanho do Estado e cortar gastos.”
Em entrevista exclusiva ao InfoMoney, o estrategista fala sobre como as políticas fiscais dos candidatos podem impactar a meta de inflação de 2% ao ano e as consequências para os mercados financeiros. Gitz pondera, contudo, que a responsabilidade fiscal raramente ganha destaque nas campanhas eleitorais – um fator que deixa o tema envolto em incertezas.
InfoMoney: Considerando as propostas de Kamala Harris e Donald Trump, qual deles demonstra maior responsabilidade fiscal?
Paulo Gitz:
Ninguém fala em responsabilidade fiscal em campanha. Não é um tema que tenha, digamos assim, um valor presente líquido positivo para os candidatos. Falar em cortar gastos ou aumentar impostos – por mais que a Kamala fale em aumentar impostos – não é algo popular. Nenhuma das campanhas acredita que se expor melhor nesse assunto vai atrair mais eleitores. E esse tema permanece obscuro por conta disso.
Mas o mercado tem um consenso de que os democratas seriam um pouco melhores do ponto de vista de déficit fiscal por conta de um aumento de impostos. O que o Trump fez em 2017? Ele cortou impostos por oito anos, na expectativa de que ficaria esse tempo no governo e que o próximo presidente, republicano ou democrata, decidiria o que fazer. Ele não imaginava que talvez ele próprio lidaria com isso.
Esses cortes expiram em 2025, e essa será a primeira prioridade do próximo presidente. A Kamala fala em voltar ao que estava em 2016. Trump fala em manter ou até expandir esses cortes de impostos.
InfoMoney: Especificamente, Trump propõe cortes de impostos sobre gorjetas e horas extras. Qual é a lógica econômica por trás dessas propostas, considerando a elevada dívida americana?
Paulo Gitz:
O racional econômico é aumentar a renda disponível, melhorar o padrão de vida das pessoas para que consumam mais. Trump foca nisso porque, apesar da inflação estar em queda – acima da meta, mas em queda –, a economia crescer acima do potencial e o desemprego estar baixo, o sentimento da população não é de uma economia pujante. A inflação desacelerou, mas os preços não voltaram, as coisas ainda estão caras. Tanto que a aprovação de Joe Biden é baixa.
Quando Trump foca na população de “blue collars” [operários], ele está acenando para quem está insatisfeito com o nível dos preços. Talvez, para o eleitor médio, o CPI [índice de preços americano] em 2,3% ao ano tenha menos efeito do que os preços nominais terem subido muito durante o governo Biden. E esse é o ponto forte de Trump. Nas pesquisas de opinião, ao perguntarem em quem você confia mais em relação à economia, Trump vence Kamala.
Há um racional econômico indireto nessas propostas: você arrecada menos diretamente na renda e mais indiretamente no consumo e no lucro das empresas.

Paulo Gitz, estrategista global da XP Inc (Divulgação)

InfoMoney: Por outro lado, Kamala Harris propôs um crédito de US$ 6.000 para pais de recém-nascidos e US$ 25 mil para compradores de primeira casa. Quão viáveis são essas iniciativas?
Paulo Gitz:
Vai depender muito da negociação com o Congresso. Um Senado republicano provavelmente seria bem rígido em relação às propostas mais populistas de um governo democrata. No fundo, Kamala está acenando para o mesmo público que Trump, só que de formas diferentes.
São as abordagens democratas e republicanas para atingir o mesmo público: o republicano corta impostos, dando mais renda disponível para as pessoas gastarem como quiserem, enquanto o democrata opta por oferecer ajuda governamental para a compra de uma casa ou para o cuidado infantil.
Muita coisa mudou nesta eleição, mas essa diferença clássica permanece – a redistribuição de renda dos democratas e a ideia de Estado mínimo dos republicanos.
InfoMoney: Dadas as discussões de campanha, é possível esperar reduções de gastos em um próximo governo americano?
Paulo Gitz:
É aí que eu discordo um pouco da visão do mercado. Não se falar explicitamente em responsabilidade fiscal e cortar gastos em uma campanha é uma estratégia eleitoral. Mas, se olharmos as pessoas próximas que provavelmente estarão no primeiro escalão de Trump, elas estão falando em reduzir o tamanho do Estado.
Elon Musk, que está bem cotado para assumir uma posição no governo, fala em cortar US$ 2 trilhões. É factível? É muito difícil – mas é difícil também fazer um foguete dar ré. Se ele tentar, já é melhor do que não tentar. O mercado acredita que uma “onda vermelha” seria ruim para o déficit, mas pode ser melhor do que os democratas, que falam em aumentar impostos, mas têm um plano claro de como gastar.
Outra pessoa cotada para o Tesouro no governo Trump é Scott Bessent, gestor de hedge fund que trabalhou com [George] Soros. Ele diz que Trump não enfraquecerá o dólar e não será fiscalmente irresponsável. A visão de que o governo Trump seria explosivo para o déficit é exagerada.
InfoMoney: Como essas duas abordagens impactariam os esforços do Federal Reserve para trazer a inflação à meta de 2%? Alguma dessas administrações colocaria o Fed sob pressão?
Paulo Gitz:
Quem daria mais trabalho para o Fed? Seria o partido republicano, porque o efeito recessivo dos impostos democratas traria a inflação para um patamar mais baixo. Um governo republicano seria mais desafiador para o Fed.
Apesar das críticas, a independência do Fed é maior do que qualquer tipo de ataque – e certamente virão ataques. Não imagino que Trump mudaria sua postura com relação a [Jerome] Powell, embora seu histórico seja de crítica a ele. Tenho dúvidas se Powell continuaria. Ele teria mais dois anos como presidente do Fed.
InfoMoney: Qual impacto essas duas abordagens fiscais poderiam ter sobre a bolsa de valores?
Paulo Gitz:
Como ex-trader, tenho o hábito de observar o que o mercado está dizendo. As taxas das Treasuries subindo nas últimas cinco das seis semanas, enquanto as chances de Trump sobem tanto no mercado de apostas, como nas pesquisas, mostram que o mercado acredita que Trump seria ruim para o déficit. Mas eu acredito que talvez não seja bem assim.
O mercado segue algumas regras de bolso. Um exemplo: historicamente, o setor de defesa ia bem quando os republicanos ganhavam; ia mal quando os democratas ganhavam. Isso mudou neste ciclo eleitoral. Muitos republicanos votaram contra pacotes de ajuda à Ucrânia, e Trump não é favorável a esses envios. Essa correlação mudou.
InfoMoney: Qual é o cenário mais provável para a eleição presidencial americana, e como ele pode impactar os mercados?
Paulo Gitz:
Das três eleições que disputou, Trump nunca esteve praticamente empatado no voto popular e à frente em todos os “swing-states”. Estamos considerando o cenário de Trump vitorioso. O mercado acredita que cortes de impostos e desregulamentação aumentariam os lucros das empresas.
Se Trump ganhar, seria o mercado para cima, diferentemente de 2016? Tenho minhas dúvidas. Setores como o financeiro, que se beneficiariam de um crescimento liderado pelo setor privado, provavelmente seriam os mais beneficiados.
Por outro lado, para grandes empresas de tecnologia, Trump não seria um bom presidente. Tanto Trump quanto o vice-presidente J.D. Vance não são favoráveis aos monopólios tecnológicos, o que poderia pressionar o S&P, já que as ações de tecnologia pesam bastante no índice.

SIte da InfoMoney

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