Entre janeiro e agosto de 2024, quatro das empresas do Grupo Maratá alcançaram mais de R$ 47 milhões em isenções fiscais federais. TV Sergipe e TV Atalaia somaram mais de R$ 2,5 milhões, enquanto empresa têxtil da qual Marcos Leite Franco Sobrinho é sócio recebeu R$ 1,6 milhão em subvenção de investimento.
O Ministério da Fazenda, comandado por Fernando Haddad, tomou a decisão inédita de tornar públicas as informações sobre empresas contempladas pelo governo federal na Declaração de Incentivos, Renúncias, Benefícios e Imunidades de Natureza Tributária (Dirbi). A lista apresenta dados de janeiro a agosto de 2024, tem quase 55 mil empresas e informa os respectivos valores recebidos, que somados superam R$ 97,7 bilhões.
Dentre os setores cujo não pagamento de tributos com o aval federal é mais frequente, estão o agronegócio, o setor de automóveis e o de mineração, conhecidos por serem altamente poluentes.
Ao analisar a relação procurando por favorecidos sergipanos, a Mangue Jornalismo descobriu sobrenomes familiares – literalmente. A família Vieira, cujo patriarca, José Augusto Vieira, é fundador do Grupo Maratá, está no topo da lista de beneficiados do estado.
Os Vieira são acompanhados pela família Franco: parte dela tem a concessão pública da Rádio Televisão de Sergipe, e a outra parte tem a concessão da Televisão Atalaia e da Rádio Atalaia. E os nomes de uma mesma árvore genealógica não param por aí.
Ocupando o posto de secretário de Turismo de Sergipe desde o começo do Governo de Fábio Mitidieri (PSD), Marcos Leite Franco Sobrinho é um dos sócios da Sergipe Industrial Têxtil, atualmente em recuperação judicial. Com mais de 140 anos desde sua fundação, a Sisa – nome fantasia da empresa – recebeu R$ 1,6 milhão para subvenção de investimento somente este ano.
Apesar dos altos valores em meio ao intenso debate nacional sobre como diminuir o déficit entre gastos públicos e arrecadação federal, benefícios fiscais são previstos constitucionalmente. Ou seja, as empresas que os recebem não estão cometendo nenhuma irregularidade apenas por fazerem uso desse expediente, como ressalta o ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel.
Contudo, o fato de ser constitucional não garante transparência na definição de critérios para a escolha das empresas a serem contempladas, efetividade da medida para a economia e realidade social do país ou fiscalização da concessão desses benefícios.
Mais de R$ 215,5 milhões em tributos não arrecadados
Sergipe ocupa o 23º lugar em valores totais de beneficiados dentre as 27 unidades federativas do Brasil, com R$ 215,5 milhões em isenções tributárias concedidas entre janeiro e agosto de 2024 a empresas com atuação no estado.
A planilha publicada pelo ministério não discrimina as empresas por unidade federativa, mas informa que 52 delas sediadas em Sergipe aderiram ao Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), uma das modalidades de benefícios da Dirbi. Segundo definição do site do Governo Federal, "o Perse é uma iniciativa do governo brasileiro criada para apoiar o setor de eventos, que foi gravemente afetado pela pandemia de Covid-19".
Graças ao Perse, empresas sergipanas habilitadas não pagaram tributos que somados passam de pouco mais de R$ 40,8 milhões entre janeiro e agosto deste ano. O programa continua ativo mesmo com o fim da Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional pela Covid-19, determinado pelo Ministério da Saúde do Brasil no dia 22 de abril de 2022, e a decretação pela Organização Mundial da Saúde (OMS) do fim da pandemia, em 05 de maio de 2023.
Algumas das empresas sergipanas identificadas pela Mangue Jornalismo como habilitadas pelo Perse incluem o Celi Hotel Aracaju, cuja isenção foi de R$ 2,37 milhões, e o Vidam Hotel Aracaju, com R$ 1,4 milhão.
Já as empresas de transporte coletivo Viação Atalaia (mais de R$ 2,48 milhões) e Viação Progresso (mais de R$ 1,7 milhão), que atuam na Região Metropolitana de Aracaju, foram contempladas com a desoneração da folha de pagamentos, uma das 43 possibilidades de incentivos e renúncias fiscais da Dirbi.
Mas a efetividade desse benefício às duas empresas de transporte pode ser questionada diante do fato de que a primeira é famosa pela precariedade dos serviços oferecidos e a segunda não cumpre com direitos trabalhistas, como reportagem da Mangue revelou em janeiro.
A Dakota Calçados, cujas unidades estão nos municípios sergipanos de Simão Dias e Poço Verde, também teve desoneração da folha de pagamentos, no valor de R$ 4,15 milhões.
Maratá, a melhor isenção fiscal que há
Em 1984, o empresário José Augusto Vieira, natural do município sergipano de Lagarto, deu um salto em seus negócios ao adquirir a Indústria de Torrefação e Moagem de Café Maratá. Ao focar no setor alimentício, Vieira fundou e consolidou o Grupo Maratá a nível nacional e o mantém de capital fechado, isto é, sem ações na bolsa de valores, o que dificulta o conhecimento público de informações financeiras da empresa.
Na lista de benefícios fiscais divulgada pelo Ministério da Fazenda, quatro CNPJs que fazem parte do Grupo Maratá são citados: Indústrias Alimentícias Maratá (mais de R$ 23,6 milhões), Agropecuária Maratá (acima de R$ 17,8 milhões), Maratá Sucos do Nordeste (R$ 5,6 milhões) e Citricultura Maratá (R$ 102 mil).
O mega grupo sergipano foi beneficiado apesar de recorrentes denúncias sobre o uso de violência em áreas reclamadas pelos Vieira no Maranhão, como mostrou reportagem de 2021 do Felipe Sabrina para o The Intercept Brasil, material laureado com o Prêmio Vladimir Herzog de excelência jornalística.
José Augusto Vieira chegou a figurar, entre 2006 e 2007, na chamada "lista suja" compilada pelo Mistério do Trabalho e Emprego com os nomes de empregadores que submetem trabalhadores a condições análogas à escravidão. O empresário só saiu da relação após liminar do Judiciário. Outra empresa da família, a Construtora Vieira, recebeu benefício de quase R$ 650,7 mil de desoneração da folha de pagamentos.
Antônio Augusto Vieira, fundador do Grupo Maratá, com o governado Fábio Mitidieri. (Foto: Governo de Sergipe/Reprodução).
Família Franco e suas emissoras de TV e rádio
A família Franco domina as principais concessões públicas de TV em Sergipe desde seu começo no estado, na primeira metade da década de 1970. Junto com a FM Sergipe, a TV Sergipe, que é afiliada da Globo, integra o Grupo Sergipe de Comunicação. As duas receberam juntas R$ 1,3 milhão de desoneração da folha de pagamento.
O grupo de comunicação é atualmente liderado por Lourdes Franco, viúva de um dos filhos do ex-governador de Sergipe Augusto Franco, e pela única filha do casal, Carolina Franco, que é também sócia-administradora da Seven Oficina Criativa. A Seven figura na lista do Ministério da Fazenda como habilitada no Perse a não pagar R$ 9,5 mil em tributos.
Walter Franco, outro dos filhos de Augusto Franco, é dono da TV Atalaia, afiliada sergipana da TV Record. A emissora foi beneficiada com pouco mais de R$ 1,2 milhão em desoneração da folha de pagamentos, enquanto que a Rádio Atalaia, uma das emissoras radiofônicas de propriedade de Walter Franco, foi liberada de pagar R$ 84 mil.
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