Geral Donald Trump

Era de ouro de Trump é incompatível com ouro líquido que ele quer à exaustão

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Por Em Sergipe

21/01/2025 às 08:29:38 - Atualizado há

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Ao tomar posse como novo presidente dos Estados Unidos, o republicano Donald Trump prometeu logo na primeira frase: "A era do ouro dos Estados Unidos começa hoje". Um pouco depois, qualificou de onde viria essa riqueza. 

Para combater a inflação – provocada, segundo ele, pela "escalada nos preços da energia" –, disse que vai declarar uma "emergência nacional de energia". E explicou o que isso significa com o seu bordão de campanha: "Drill, baby, drill" (vamos perfurar, bebê, perfurar). 

Apenas dez dias depois de organizações meteorológicas baterem o martelo de que o ano passado foi o mais quente do registro histórico (aliás, que os dez últimos anos foram os dez mais quentes da história) e que já ultrapassamos, ao menos momentaneamente, o marco de 1,5°C de aquecimento considerado o limite mais seguro para a vida na Terra, Trump inflou o peito para defender mais exploração de petróleo e gás natural, principais fontes dos gases que estão transformando o planeta em uma fornalha.

"A América será novamente uma nação manufatureira, e temos algo que nenhuma outra nação manufatureira jamais terá: a maior quantidade de petróleo e gás de qualquer país na Terra. Vamos reduzir os preços, encher nossas reservas estratégicas novamente até o topo e exportar energia americana para o mundo inteiro. Seremos novamente uma nação rica. E é esse ouro líquido sob nossos pés que nos ajudará a alcançar isso", sentenciou.

O plano está listado entre as primeiras prioridades do novo governo. De acordo com comunicado divulgado no site da Casa Branca, a ideia é "soltar as rédeas do domínio energético americano". 

Entre as ações nesta seara, como era esperado, já na noite desta segunda foi publicado um ato presidencial anunciando a retirada dos Estados Unidos do Acordo de Paris – tratado climático assinado por praticamente todas as nações do mundo e que visa a redução de emissões de gases de efeito estufa a fim de evitar um aquecimento global acima de 1,5°C. 

"Nos últimos anos, os Estados Unidos aderiram a acordos e iniciativas internacionais que não refletem os valores do nosso país ou nossas contribuições para a busca de objetivos econômicos e ambientais. Além disso, esses acordos direcionam os dólares dos contribuintes americanos para países que não exigem, nem merecem, assistência financeira no interesse do povo americano", justificou. 

Curiosamente, ele diz que toma a medida para proteger os americanos primeiro, claro, mas também o meio ambiente (!). A realidade é que sem o país, que é o maior emissor histórico de gás carbônico, é quase certo que a meta de conter o aquecimento global está perdida. E, bem… o aquecimento é global, como bem diz o nome.

Trump já havia feito isso em 2017, quando assumiu o cargo pela primeira vez. Joe Biden não só colocou o país de volta nos esforços climáticos globais como adotou uma série de medidas pensadas para reduzir as emissões do país – ao mesmo tempo que incentivavam a economia. O site americano Grist, especializado na cobertura climática, chegou a chamar o democrata de o "primeiro presidente americano climático".

A principal ação de Biden foi conseguir passar no Congresso a chamada Lei de Redução da Inflação (IRA na sigla em inglês) – um pacote bilionário de incentivos para energias renováveis e tecnologias limpas, como veículos elétricos. Desde a campanha, Trump promete que vai pôr fim a esses incentivos. Assumindo o cargo, colocou a mudança na sua lista de prioridades.

Segundo o documento publicado pela Casa Branca, "o presidente irá liberar o potencial energético dos Estados Unidos, encerrando as políticas de extremismo climático de Biden, simplificando os processos de licenciamento e revisando, para possível revogação, todas as regulamentações que impõem cargas indevidas à produção e ao uso de energia, incluindo a mineração e o processamento de minerais não combustíveis". 

Em seu discurso de posse, Trump exemplificou: "Com minhas ações de hoje, acabaremos com o Green New Deal e revogaremos o mandato de veículos elétricos, salvando nossa indústria automobilística e mantendo minha promessa sagrada aos nossos grandes trabalhadores automotivos americanos. Em outras palavras, você poderá comprar o carro da sua escolha. Vamos fabricar automóveis nos Estados Unidos novamente em um ritmo que ninguém poderia imaginar possível há apenas alguns anos.”

Engraçada a escolha de palavras: "mandato de veículos elétricos". Como se as pessoas fossem obrigadas a comprar carros elétricos, como se elas não tivessem escolhas. O que havia, sob Biden, eram incentivos para isso. Trump quer revogá-los em prol dos combustíveis fósseis.

(Não li nenhuma boa matéria ainda sobre o que o aliado de Trump produtor de carros elétricos – Elon Musk – acha disso. Na posse ele parecia felizão enquanto o republicano dizia essas coisas. Tão empolgado que fez um gesto perturbadoramente parecido ao da tradicional saudação nazista.)

De todo modo, nada disso foi surpreendente. Era tudo mais do que esperado desde que soubemos que Trump seria candidato. Ele sempre foi um estridente negacionista climático e obcecado defensor dos combustíveis fósseis (no primeiro mandato o foco era reanimar a indústria do carvão mineral, o que ele não conseguiu) e da indústria automobilística tradicional americana. Mas nem por isso deixa de fazer cálculos pragmáticos sobre como lucrar com um mundo cada vez mais quente – daí o olho grande sobre a Groenlândia.

O que me chamou atenção, na verdade, foi uma menção que ele fez às catástrofes climáticas que têm se abatido sobre os Estados Unidos. Trump mencionou em seu discurso os impactos do furacão Helena sobre a Carolina do Norte, onde quase 50 pessoas morreram, e dos incêndios em Los Angeles. 

Não havia no discurso uma preocupação com o que está turbinando esses eventos extremos – que, sim, são as mudanças climáticas, pioradas com a queima do sonhado "ouro líquido" de Trump

Seu objetivo era apenas de cutucar o governo Biden e reforçar uma narrativa desinformativa que ganhou força no país de que a gestão do democrata não estava fazendo nada para proteger os cidadãos dessas tragédias. "Não podemos deixar isso acontecer. Ninguém é capaz de fazer nada a respeito. Isso vai mudar."

Agora eu te pergunto, caro leitor, como é que "isso vai mudar"? Ou melhor, que mudança é essa que ele está prometendo? Se não estivesse fazendo naquele discurso uma exibição escancarada de desonestidade intelectual, Trump teria de admitir que a mudança inevitavelmente será para pior. Não tem mágica. Queimar mais petróleo pode até trazer ganhos imediatos, mas vai colocar os Estados Unidos, e o mundo, em rota de cada vez mais desastres climáticos. Não de bonança. 

Desastres que vão custar vidas e muito dinheiro.

Ele terminou seu discurso dizendo que quer ser um pacificador e um unificador. Que seu poder vai impedir todas as guerras. Que os EUA serão prósperos. "Nada ficará no nosso caminho, porque somos americanos." 

Eu conto ou vocês contam?

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