O Brasil vive um momento histórico no cinema. Nas indicações ao Oscar 2025, “Ainda Estou Aqui“, dirigido por Walter Salles, conquistou uma indicação inédita ao maior prêmio da cerimônia — e na categoria mais importante: Melhor Filme.
Dando continuidade a essa conquista, o Festival de Berlim 2025 anunciou sua seleção oficial, que contou também com a participação de outro cineasta brasileiro: Gabriel Mascaro, com o filme “O Último Azul”. Isso, claro, ocorre um ano após o Brasil marcar presença nos maiores festivais de cinema, como Veneza, Toronto e Cannes.
Esse movimento é natural, dado a qualidade do cinema que o Brasil tem produzido e exportado para o mundo. Pelo menos é o que afirma Fabiano Gullane, 54, produtor e sócio-diretor da produtora Gullane Filmes, selo responsável por títulos como “Senna“, “Que Horas Ela Volta?“, “Motel Destino“, “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” e outros.
“O Brasil sempre despertou grande interesse nos festivais internacionais ao longo de nossa história”, lembra ele à CNN. “Esse reconhecimento começou há muito tempo, com o filme ‘Orfeu Negro‘, nos anos 1950, que ganhou destaque no Festival de Cannes e no Oscar. Depois, tivemos ‘O Pagador de Promessas‘, nos anos 1960, de Anselmo Duarte, que conquistou a Palma de Ouro em Cannes”.
O interesse pelo conteúdo brasileiro em festivais e no mercado internacional é, sem dúvida, notável. Os filmes da própria Gullane conquistaram respeito em trajetórias internacionais.
“O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias”, por exemplo, participou de competições em Berlim e Tribeca, foi vendidos para 70 países e arrecadou cerca de 5 milhões de dólares em bilheteiras internacionais. “Que Horas Ela Volta?” também se destacou em Sundance e Berlim, recebendo prêmios em ambos os festivais e sendo distribuído em mais de 60 países.
O sócio-diretor explica a fórmula de sucesso da empresa: “Tudo começa com o interesse dos curadores, passa pela viabilização da seleção oficial e culmina na articulação com os temas e tendências que os festivais buscam em cada ano.”
Ele explica que há um ecossistema complexo por trás da participação em festivais, que combina a qualidade das obras com a capacidade de planejamento estratégico para inseri-las no mercado global.
“Estamos vendo isso novamente com o filme de Walter Salles, ‘Ainda Estou Aqui’. A produção teve uma recepção excepcional em Veneza, Toronto e outros festivais nos Estados Unidos, além de chegar com força ao Oscar“, ele elogia o longa estrelado por Fernanda Torres.
Vale lembrar que os festivais apresentam tendências que variam a cada ano. A seleção não segue os mesmos critérios ou conceitos constantemente.
Por exemplo, em algumas edições, temas políticos ganham destaque, enquanto em outras, questões de gênero recebem mais atenção. Em 2024, boa parte dos festivais europeus focou no conflito no Oriente Médio, enquanto, em edições anteriores, a temática central eram as particularidades do movimento feminista.
Como a brasilidade consegue ganhar o mundo?
Embora os festivais recebam cinemas de todos os países, existem costumes e tradições que podem não fazer muito sentido para diferentes nações. E, como o “jeitinho brasileiro” possui características muito próprias, muitos se perguntam como nossa cultura pode ser traduzida para o mundo.
“Se a história for bem contada, ela ultrapassa fronteiras. Um ótimo exemplo disso é o filme ‘Que Horas Ela Volta?'”, destaca Gullane. O filme estrelado por Regina Casé, que discute as relações entre cidadãos de “primeira” e “segunda” classe no contexto brasileiro, abordando a dinâmica da empregada doméstica e sua relação com os patrões, apresenta características que podem ser aplicadas a outras nações.
“Embora seja uma questão profundamente brasileira, esse tema foi incrivelmente bem recebido na Europa, porque dialogava com situações semelhantes”, ele conta. “Lá, por exemplo, o africano que trabalha na cozinha de um restaurante ou como cuidador vive uma dinâmica parecida. Essa universalidade na abordagem de questões sociais é o que permite que histórias com elementos locais ganhem significado global.”
Atualmente, a Ditadura Militar, que marcou os brasileiros por décadas, tem ganhado força no cinema com “Ainda Estou Aqui”. Em Portugal, por exemplo, o filme estreou em primeiro lugar.
Já nos Estados Unidos, ele faturou US$ 125,4 mil (aproximadamente R$ 759,9 mil) em seu primeiro final de semana. No país também já é discuta a expansão do filme para mais salas.
“Quando uma obra consegue contar sua história de forma universal, ela conquista plateias ao redor do mundo, mesmo que tenha raízes profundamente brasileiras. Esse é o nosso desafio, nossa missão, e também nossa alegria”, argumenta Gullane.
O Brasil no Oscar
Embora as conquistas do Brasil no cenário internacional estejam cada vez mais visíveis, o país ainda não possui a mesma estrutura de exportação de filmes que nações como França, Itália ou Alemanha – como fica evidente pela nossa ausência de 26 anos nas indicações ao Oscar.
“Esses países entram nessa corrida com orçamentos 25 a 30 vezes maiores que os nossos”, ele explica. “O apoio financeiro e estratégico que oferecem às suas produções garante uma presença muito mais competitiva no cenário internacional. Aqui, seguimos na luta, mas com desvantagens significativas.”
O sucesso de Ainda Estou Aqui pode ser, em parte, atribuído à Sony Pictures Classics, que distribuiu o filme internacionalmente – algo que é destacado por Gullane destaca como um exemplo de como a estratégia deve ser conduzida.
“Mas há um detalhe: nesse caso, os direitos do filme não eram mais do Brasil, e sim da Sony, uma empresa americana. Isso facilita muito as coisas. O verdadeiro desafio é fazer o mesmo quando a produção ainda está 100% nas mãos brasileiras”.
Ele continua: “No final, a questão é que, estrategicamente, o Brasil comete muitos erros ao posicionar suas produções para o Oscar. Precisamos repensar como investir e estruturar as campanhas para alcançar resultados mais consistentes.”
O futuro do cinema brasileiro é promissor?
De acordo com Fabiano, além das festividades e prêmios, o cinema brasileiro está prestes a viver seu melhor momento, desde que todos trabalhem de forma alinhada e comprometida.
Para isso, ele acredita que é necessário que um tripé esteja em ação: um conjunto robusto de políticas públicas, parcerias com as plataformas de streaming e a regulação dessas plataformas no Brasil.
“Apesar de alguns avanços lentos e desafios internos, a base regulatória é muito sólida. Isso tem permitido ao Brasil produzir de 50 a 200 filmes por ano“, ele destaca. “É claro que a maioria desses filmes não alcança grandes destaques, mas isso é normal, até mesmo na França, onde são produzidos 400 filmes e apenas uma fração se torna um grande sucesso.”
Ele continua: “O Brasil se destaca no consumo audiovisual mundial, o que abre um leque de oportunidades para que também sejamos protagonistas na produção e criação do nosso próprio conteúdo. As plataformas têm investido e acreditado em projetos brasileiros ambiciosos, com potencial para conquistar não apenas o mercado nacional, mas também se expandir para o resto do mundo. Esse é um avanço que, em breve, será ainda mais discutido e consolidado.”
Por fim, de forma muito promissora, ele reforça que o audiovisual brasileiro está retomando seu espaço – e o melhor: reconstruindo carreiras internacionais sólidas. “Essa tendência ascendente reflete não apenas o talento dos nossos realizadores, mas também a articulação estratégica que sustenta essa jornada de sucesso”, finaliza.
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"Ainda Estou Aqui" conquista indicação histórica ao Oscar de Melhor Filme
CNN Brasil