Pela primeira vez desde que assumiu o terceiro mandato, o índice de desaprovação de Lula (PT) é superior à aprovação, de acordo com uma pesquisa divulgada pela empresa de consultoria Genial-Quaest.
Pela primeira vez desde que assumiu o terceiro mandato, o índice de desaprovação de Lula (PT) é superior à aprovação, de acordo com uma pesquisa divulgada pela empresa de consultoria Genial-Quaest. Apesar disso, em outro levantamento da mesma empresa o atual presidente lidera as intenções de voto para as eleições de 2026.
O Pauta Pública desta semana reflete sobre os desafios e as contradições do governo, que conta com avanços sociais e econômicos, mas enfrenta dificuldades políticas e de comunicação.
Para falar sobre o tema, o programa recebe Miguel Lago, cientista político e colaborador da revista piauí. Ele avalia que, apesar de avanços significativos, como a redução da fome e do desemprego, o atual governo enfrenta dificuldades na comunicação por não se adaptar ao ambiente digital e também na articulação política, que, por ser muito ampla, gera dificuldades para construir um fio condutor da sua gestão.
“Não está claro para onde nós estamos indo com esse governo”, afirma Lago. “A liderança do Lula, que sempre foi conciliadora, tem muita dificuldade de lidar com um ambiente comunicacional que exige outra dinâmica.” Para o cientista político, a forma como o governo enfrenta a oposição fortalecida e um eleitorado cada vez mais fragmentado são os principais desafios nos próximos meses, que podem ser decisivos para o futuro político do país.
Leia os principais pontos e ouça o podcast completo abaixo.
7 de fevereiro de 2025 · Cientista político analisa a queda de popularidade no terceiro mandato de Lula
0:00 15 15De acordo com a última pesquisa da Quaest, pela primeira vez, neste mandato tem mais gente que desaprova o governo Lula, 49%, do que os que estão satisfeitos. Essa fotografia é fiel ao momento que estamos vivendo? Como você avalia esses números?
É muito difícil a gente responder àpergunta se é justa ou não uma queda de popularidade, uma avaliação negativa ou positiva de um governo, porque a gente tende sempre a pensar que avalia positivamente ou negativamente um governo por causa da sua ação. Podem existir outros desejos na população, ou em parte da população, que não são necessariamente o de um bom governo, e isso reflete em popularidade.
Não existe um automatismo entre a avaliação positiva de um governo e a qualidade desse governo. Isso dito, eu entendo o aumento de impopularidade do governo Lula não tanto pelas suas ações de governo, porque a gente vê várias questões positivas, mas muito por talvez uma falta de fio condutor desse governo. A gente não sabe muito bem o que esse governo está fazendo. O que são as grandes ações políticas desse governo, qual é a grande visão deste governo para o Brasil.
E aí acho que isso facilita muito o jogo da oposição também. Não está claro para onde nós estamos indo com esse governo.
Quando você fala em fio condutor, é porque o governo não tem um projeto claro ou não sabe comunicar o que está fazendo?
Sim, acho que existem falhas de comunicação no governo Lula 3, não há nenhuma dúvida sobre isso. Mas acho que é mais profundo do que isso.
É um governo que não sabe fazer política para o novo ambiente comunicacional que existe. Acho que são duas coisas separadas. Porque, se é uma questão só de comunicação, é relativamente fácil você mudar. A questão é que é um governo que não sabe fazer política no novo ambiente comunicacional.
Então, tem uma questão mais grave, que é mudar a maneira como se faz política. A questão é mais profunda em relação à condução. Mais do que a condução do governo das políticas públicas, mas a maneira de fazer política, que é uma maneira muito antiga e está baseada numa lógica que já não existe mais, num ambiente informacional que já não é mais o mesmo.
Por outro lado, existe uma dificuldade evidente em termos de entrega de políticas públicas que foram os quatro anos de Bolsonaro. Em quatro anos de Bolsonaro, a gente vê um desmonte do Estado administrativo brasileiro em praticamente todas as frentes, com raras exceções. É muito difícil você retomar, reiniciar, refazer políticas públicas diante de um caos administrativo. Mas agora já passaram dois anos também. A gente entende essa dificuldade inicial, mas eu acho que tem uma falta também de novo. Um problema mais central na política do governo, muito mais do que na comunicação.
É estranho a gente falar de problemas na comunicação tendo o Lula como presidente. Porque ele sempre foi reconhecido pela capacidade de se comunicar, especialmente com a classe trabalhadora. O que está acontecendo? Ele já não consegue se conectar com esses trabalhadores ou estamos falando de outra classe trabalhadora, que o Lula desconhece?
Eu acho que é mais isso. Acho que existe uma grande mudança da classe trabalhadora no Brasil, ou das classes trabalhadoras. Então, acho que isso é uma mudança importante. Agora, acho que o Lula segue sendo um grande comunicador. A questão é que, de novo, ele é um grande comunicador dentro de um ambiente comunicacional que não existe mais.
Não é só o Lula. Se você for olhar, são todos os políticos profissionais. Acho que isso é uma questão delicada para os políticos profissionais em geral. Não é só o Lula que padece desse problema. Por exemplo, se a Simone Tebet tivesse ganho as eleições, talvez nós tivéssemos os mesmos problemas. Porque também é uma pessoa mais conciliatória. Não sei o quanto ela conseguiria, também, fazer política nesse novo ambiente comunicacional.
Acho que onde está o defeito talvez do governo é não enxergar que existe um Brasil que é diferente do Brasil que existiu 20 anos atrás. E que esse ambiente comunicacional existe e que terá que ser navegado corretamente. E que não é um problema de comunicação. Não é porque uns fazem um boné vermelho que você vai fazer um boné azul. Entra numa provocação, que não é aí que você vai ganhar essa batalha. Não é fazendo um boné, fazer alguma piada com o Trump, que você vai ter qualquer tipo de vitória nesse novo ambiente comunicacional.
E a classe trabalhadora, enfim, com a qual o Lula comunica muito bem, é uma classe trabalhadora muito mais institucionalizada. Nada disso mais existe no Brasil.
O Brasil está se tornando um país evangélico. Tem uma transição religiosa tremenda, numa velocidade alucinante. Por mais que sejam cristianismos, evangélicos e católicos, não poderiam ter concepções de mundo mais diferentes. Maneiras de encarar a vida e encarar a si próprios completamente diferentes. Então, quer dizer, existe um éthos, uma ética protestante totalmente diferente de uma ética católica. Não são a mesma coisa. E a gente não está habituado a isso porque a gente é um país de tradição católica.
Associada a isso, e também muito ligada a isso, a precarização do trabalho. A ideia de que você ser CLT, na verdade, não é que te dá direitos, é que te tira a flexibilidade que você gostaria de ter. Então, claro que isso, enfim, acho que é um momento. Mas acho que é um pouco do momento que a gente está vivendo. A impressão que dá realmente é que tem uma mudança importante na população brasileira.
Quais são os avanços que podemos registrar ao longo desses dois anos?
Primeiro, os dados macroeconômicos do país são positivos. Você tem crescimento acima do que era esperado e tem baixíssimo nível de desemprego. O país está indo melhor em termos macroeconômicos. A perspectiva de médio prazo, segundo os economistas, não é das melhores. Tem problemas de equilíbrio de contas. Mas isso não é um problema hoje em dia só do governo. Isso é um problema do Legislativo também.
Como é que você vai fazer uma política de ajuste? É preciso dar mais dinheiro para os deputados? Isso não existe. Então, esse compromisso, que é muito cobrado pelo setor produtivo do governo Lula, deveria ser cobrada igual a medida do Congresso. Não é o que a gente vê. Tem muita crítica ao governo por não ter um compromisso com a responsabilidade fiscal, mas o Congresso tem muito menos compromisso com o ajuste fiscal e não é cobrado. Nesse caso, acho que é injusto com o governo.
O fato é que os dados macroeconômicos são positivos no momento, e é possível que não sejam mais no momento da próxima eleição. Acho que é uma melhora momentânea. É muito possível que a situação mude. Então, não dá para se fiar tanto no sucesso econômico eventual desse governo, que é um pouco a minha impressão com o governo Lula.
Acho que tem um aspecto positivo também, por exemplo em toda a parte ambiental. Você teve avanços nessa área importante. Tem a liderança da ministra Marina Silva, que é uma grande liderança nessa área. Agora, isso não é capitalizado politicamente pelo governo. A gente não está colocando a agenda climática como uma agenda que tem força política.
Quando acontece o desastre do Rio Grande do Sul, a Marina deveria ser a ministra liderando aquele processo. É um desastre climático. Mas não, aí coloca o ministro que era gaúcho porque está pensando no próximo governo do estado do Rio Grande do Sul. O ministro e o governador se desentenderam e virou uma bagunça o enfrentamento [ das chuvas] no Rio Grande do Sul por questões de política partidária que todo mundo poderia ter superado se talvez tivesse feito de outro jeito. Mas não, a prioridade não é você abraçar a questão climática como uma questão politicamente relevante.
Ou, por exemplo, uma promessa do governo Lula, que era você destinar as terras não destinadas na Amazônia, que é onde ocorre essencialmente o desmatamento. São terras públicas em que você tem desmatamento e não tem destinação. Se desse destinação para essas terras públicas, certamente elas seriam mais bem protegidas. O governo Lula prometeu que ia fazer isso. Não fez. Fez pouquíssimo. E isso não é o Congresso que aprova. Isso é decreto dele.
Então, existem avanços, mas acho que são avanços tímidos. Eles poderiam ser muito mais fortes no caso da agenda ambiental e climática. É claro que comparar com o que foi o governo Bolsonaro também fica muito fácil. Porque era um tal desastre, a mesma coisa na saúde, era um tal desastre. A gente não tem mais o Ministério da Saúde que está promovendo a morte de cidadãos brasileiros. Que bom.
Enfim, a gente tem uma melhora imediata só de, em algumas áreas, sair o Bolsonaro. Mas é necessário mais do que isso. E acho que, ainda que tenha avanços, esses avanços poderiam ser um pouco mais intencionais e mais carregados politicamente de mensagens políticas.
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