A comunidade Guarani-Kaiowá de Mato Grosso do Sul entregou uma carta a representantes da embaixada da Alemanha no Brasil, que visitou a etnia entre os dias 11 e 14 de fevereiro para denunciar uma série de ataques que os indígenas vêm sofrendo. As violências incluem a destruição de casas de reza e a perseguição de líderes espirituais. O documento, elaborado pela Aty Guasu – a grande assembleia do povo Guarani-Kaiowá –, detalha a situação de intolerância religiosa que ameaça suas cultura e existência.
De acordo com o relatório Violência contra os Povos Indígenas no Brasil, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), entre janeiro de 2020 e fevereiro de 2024, pelo menos 16 grandes casas de reza do povo Guarani-Kaiowá foram incendiadas no estado. O documento denuncia assassinatos e agressões contra rezadores e a destruição de artefatos centenários, sagrados para etnia. A causa dessa violência no local estaria intimamente ligada aos conflitos fundiários e ao avanço do neopentecostalismo.
O rezador Tito Vilhalva, líder Kaiowá com 106 anos de idade, precisou sair da aldeia Guyraroká, em Caarapó (MS), para se reunir com a comitiva alemã. Originalmente os alemães visitariam a terra dele, mas os planos foram alterados após membros da comunidade evangélica local terem descoberto que o tema do encontro seria intolerância religiosa. A fim de evitar mais conflitos, ele se deslocou 78 km até a retomada Kaiowá Yvy Ajere (Terra Redonda, em guarani), em Douradina (MS).
Cercado por ao menos cem guaranis de dez tekohas diferentes – como os Guarani se referem à terra, que significa “lugar de ser” –, Vilhalva discursou com uma lucidez que nem mesmo o tempo pôde roubar. Uma frase inspirou aplausos: "Respeitamos a sua bíblia, mas deixem ela longe da nossa terra".
Apelo ao governo alemão
A comitiva foi idealizada pelo comissário federal alemão pela liberdade religiosa e da crença, Frank Schwabe, e organizada pelo Cimi, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a organização Misereor, que apoia, com recursos do governo alemão, iniciativas para o desenvolvimento de comunidades indígenas.
Na carta, os indígenas pediram pressão diplomática da Alemanha sobre o governo brasileiro para acelerar a demarcação de terras, apoio financeiro à Funai, além de investimentos em educação e autonomia econômica para garantir a sobrevivência dos Guarani-Kaiowá sem dependência do Estado brasileiro. A comunidade pediu também reforço no combate a discursos de ódio e desinformação contra indígenas e proteção à sua liberdade religiosa.
“Somos guardiões da Mãe Terra, dos rios e das florestas que protegem toda a vida no planeta”, diz trecho do documento, que pede ainda engajamento da Alemanha na Organização das Nações Unidas (ONU) para alertar sobre o risco de genocício indígena no Brasil.
Os indígenas ainda detalharam os ataques a casas de reza e lembraram a luta de rezadores e rezadoras, como Damiana Cavanha, que viveu à margem da BR-463, em Dourados, e morreu sem o direito de pisar no próprio território, após ter assistido aos assassinatos de seus familiares. Os Guarani-Kaiowá citaram também o assassinato da nhandecy [rezadora] Sebastiana Gauto e o marido Rufino Velasque, queimados enquanto dormiam na aldeia Guassuty, em Aral Moreira (MS).
Para a embaixada alemã, "o encontro criou canais concretos de diálogo, que podem servir para melhorar a situação dos direitos humanos, aumentar a compreensão dos desafios e conflitos e encontrar soluções [para a problemática apresentada pelos indígenas]".
SIte Oficial da AP