No fim de outubro, o governo Lula (PT) apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, que entre outros problemas, centraliza mais o poder de decisão no governo federal.
No fim de outubro, o governo Lula (PT) apresentou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, que entre outros problemas, centraliza mais o poder de decisão no governo federal.
Foto: Hugo Barreto/Metrópoles.
A PEC é uma tentativa de resposta do governo Lula para uma das questões mais problemáticas da sua gestão: o aumento da violência no país.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o Brasil registrou 46.328 homicídios em 2023: um número comparável ao de nações em guerra. Um ano antes do governo petista, o país teve 40,8 mil mortes violentas, uma diferença de quase 6 mil fatalidades.
Veja a seguir os principais pontos da PEC da Segurança e os cinco problemas mais flagrantes da proposta.
– Ampliação do poder da União sobre os estados: A PEC propõe que o governo federal aumente sua influência, definindo linhas de atuação unificadas a serem seguidas pelas unidades federativas na área de segurança pública e defesa social. O que inclui presídios estaduais, por exemplo;
– Inclusão do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) na constituição: registrar o SUSP na Carta Magna para garantir, segundo o governo, maior força e abrangência;
– Novas funções da da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF): a PF também será responsável por atuar contra crimes ambientais, organizações criminosas e milícias com repercussão interestadual ou no exterior. A PRF adicionalmente seria responsável por vigiar ferrovias e hidrovias;
– Padronização processos e informações: como boletins de ocorrência, certidões de antecedentes criminais e mandados de prisão. Além disso, a PEC deve instituir uma linguagem unificada entre as polícias;
– Constitucionalização do Fundo Nacional de Segurança Pública e Política Penitenciária: isso buscaria garantir que os recursos não fossem bloqueados. Essas verbas são alocadas para ações que estejam em conformidade com as políticas nacionais.
De forma no mínimo questionável, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Flávio Dino, esteve presente juntamente com representantes de outros órgãos de estado na reunião de apresentação da PEC.
O embaixador do NOVO e ex-procurador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, em sua coluna na Gazeta do Povo, criticou a atitude, apontando que ministros do STF não deveriam estar presentes em reuniões sobre possíveis projetos de lei ou emendas constitucionais.
Afinal, essa participação poderia afetar a isenção necessária para um potencial julgamento futuro sobre a matéria em debate. Além disso, Deltan apontou que concentrar ainda mais poderes no governo federal petista é uma ameaça ao Brasil.
"O projeto permitiria ao governo federal criar diretrizes gerais a serem seguidas em todo o país, ou seja, faria aquilo que todo governante autoritário de esquerda gosta: centralizar e aumentar seu poder", afirmou.
A seguir, trazemos os apontamentos de outros especialistas no tema entrevistados pela Gazeta do Povo.
A PEC tende a centralizar e expandir o poder do governo federal, o que enfraqueceria os estados. Cada unidade federativa tem suas próprias peculiaridades e hoje possui alguma autonomia na condução das políticas de segurança.
Além disso, existe o risco da medida enfraquecer as polícias estaduais. É o que aponta o advogado especializado em segurança pública, Alex Erno Breunig.
"O mais preocupante é o possível objetivo da proposta. Na minha avaliação, se pretende centralizar as competências da União e, principalmente, enfraquecer as polícias militares", afirmou.
Assim, a proposta de emenda constitucional do governo Lula criou um atrito com os chefes dos estados. Os governadores aproveitaram o debate da revisão constitucional para defender mais autonomia para os estados na área da segurança.
Com uma alteração da Constituição nesse sentido, as unidades federativas poderiam ter leis diferentes sobre maioridade penal, porte de armas, audiência de custódia e penas criminais.
Durante a apresentação, não ficou claro quem seria responsável por pagar as políticas de segurança dos estados.
De acordo com o especialista em segurança pública, Marcelo Almeida, esta é uma questão importante. "A União quer o controle, mas os estados seguirão bancando? Isso não está claro e não faz muito sentido", destacou.
A proposta do governo federal é que os estados que seguirem as políticas nacionais nesse tema poderão receber recursos da União para reforçar o orçamento da segurança.
Porém, isso abre margem para o governo Lula retaliar financeiramente os estados que não sigam suas diretrizes. É o que aponta Breunig.
"Pode ocorrer uma grande interferência federal nos estados e quando um estado não aderir à política nacional, ficará sem verbas federais. Isso é uma forma de obrigar a adesão a essa política", ressaltou.
Outra ameaça à segurança é uma possível expansão de políticas de desencarceramento, considerando que a União teria responsabilidade sobre as prisões estaduais.
O chefe do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, tem um histórico marcado pela defesa do desencarceramento.
Durante sua atuação como ministro do STF, ele executou uma política de audiência de custódia que libertou aproximadamente 500 mil detentos em oito anos. Breunig acredita que esse posicionamento pode estar presente na PEC.
"Tenho esse receio. O que é um fomento à criminalidade. A ideia, para os infratores, de que cometer crimes não resulta em punição é muito perigosa para a segurança pública", disse.
Outra questão problemática sobre o projeto é a atribuição para a Polícia Federal de investigar crimes ambientais e ações criminosas de repercussão interestadual e internacional.
Além disso, a PRF receberia novas funções com o monitoramento de vias aquáticas e ferroviárias.
Por meio de uma nota, a Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol) se manifestou, informando que, assim como outras entidades de classe de combate ao crime organizado, não recebeu previamente o conteúdo da PEC.
O grupo afirma que o excesso de funções à PF é preocupante para o órgão, que "já opera em seu limite e lida com cortes orçamentários expressivos, já conhecidos do governo atual, que afetaram até a indenização de sobreaviso de seus policiais".
A entidade também aponta que a PEC retira responsabilidades das polícias dos estados e distorce as competências da PRF, uma organização civil, buscando simetria com a PM, que "não se encaixa no espírito da Constituição Republicana".
O governo Lula diz que a PEC também busca uma coordenação para respostas rápidas e integradas de combate do crime organizado, para além fronteiras estaduais e até mesmo nacionais.
Alex Breunig, que também é vice-presidente da Associação dos Oficiais da PM e dos Bombeiros Militares do Paraná (Assofepar), aponta que a responsabilidade da repressão ao tráfico e a ação nas fronteiras já compete à União.
"No entanto, essa competência não tem sido exercida na plenitude, tanto que temos sérios problemas nessas áreas. Não precisa alterar nenhuma competência, basta instrumentalizar as polícias da União para que exerçam na plenitude suas competências atuais", conclui.
O analista Marcelo Almeida indica que parece que não houve o debate necessário entre os entes federativos e o governo federal sobre o conteúdo da PEC, o que deve dificultar a aprovação da matéria.
"Muitos governadores disseram que ficaram sabendo pouco tempo antes do texto e se mostraram contrários. Então, acredito que haverá resistências no andamento e aprovação", afirmou.
A falta de diálogo, também ocorreu órgão policiais do país, como foi destacado no ponto anterior e em uma nota conjunta de várias entidades, que incluem: Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol do Brasil), Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (ADPF), Associação Nacional das Entidades Representativas dos Militares Brasileiros (ANERMB); Federação Nacional dos Delegados de Polícia Federal (Fenadepol); Federação Nacional das Entidades Militares Estaduais (Feneme) e Federação Nacional dos Peritos Oficiais em Identificação (Fenappi).
No manifesto, os órgãos de classe afirmam que o país não precisa de uma PEC para segurança pública e chamaram a matéria de inadequada e desnecessária.
“Inadequada porque a proposta não foi amplamente debatida com as forças de segurança pública e as associações que representam seus integrantes. Inadequada porque o enfrentamento da criminalidade organizada demanda solução dialogada, estudada e amparada em dados quantitativos e qualitativos que permitam a construção de um modelo tangível e robusto, que possibilite uma atuação concertada em todos os níveis de atuação – federal, estadual e municipal”, destacam.
Além disso, a nota aponta que o ordenamento jurídico já possui várias normas efetivas para o combate ao crime organizado.
O texto cita, por exemplo, a Lei 10.446/02, que permite que a PF atue contra organizações criminosas, mesmo que não cometa delitos sobre os quais a justiça federal atua, desde que gerem um impacto interestadual ou internacional.
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