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Brasil perde mais que os EUA se retaliar tarifas de Trump, diz Lucas Ferraz, da FGV

A imposição de tarifas sobre a importação de aço e alumínio anunciada na noite de segunda-feira (10) por Donald Trump tem potencial de impacto relevante sobre o setor no Brasil.

Por Em Sergipe

11/02/2025 às 05:19:27 - Atualizado há

A imposição de tarifas sobre a importação de aço e alumínio anunciada na noite de segunda-feira (10) por Donald Trump tem potencial de impacto relevante sobre o setor no Brasil. Mas uma retaliação às medidas prometidas pelo presidente americano, no entanto, levariam o País a perder “muito mais que os Estados Unidos”, ainda mais diante de uma relação comercial mais complexa entre os dois países com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente do governo brasileiro

A avaliação é de Lucas Ferra, coordenador do Centro de Negócios Globais da FGV e ex-secretário do Comércio Exterior do Brasil, em entrevista ao InfoMoney.

Já no domingo (9), Trump antecipou que anunciaria uma tarifa de 25% sobre todas as importações de aço e alumínio para os EUA. O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os norte-americanos: 48% das vendas externas são direcionadas àquele mercado, o que representou uma receita de US$ 5,7 bilhões em 2024.

Como reação, o governo Lula teria considerado antecipar a proposta de taxação de big techs americanas com operação no Brasil.

Para Ferraz, no entanto, a escalada de uma guerra comercial poderia prejudicar o Brasil em função da assimetria entre as economias americana e brasileira. “Neste momento, a melhor opção para o Brasil seria não reagir, não retaliar imediatamente — porque isso pode piorar ainda mais os custos para a economia brasileira — e sim abrir um canal de diálogo com a diplomacia americana”, diz.

Não é a primeira vez que Trump eleva as tarifas sobre o aço e o alumínio brasileiros: em seu primeiro mandato, o presidente republicano já havia estabelecido alíquotas para os produtos em 2018. As tarifas caíram para o aço e foram mantidas a 10% para o alumínio, com uma cota de importação definida. Trump ameaçou retomá-las em 2019, mas negociações sob a gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro — aliado de Trump — reverteram as ameaças.

“Isso pode acontecer de novo agora? É claro que sim, mas tudo dependerá muito do canal, da qualidade da comunicação entre o Brasil e os Estados Unidos nesse momento” aponta Ferraz.

“Trump vem falando sobre impostos e tarifas desde que assumiu o seu segundo mandato, mas fica aquela dúvida de até que ponto ele vai adiante nas suas afirmações”, afirma. “Gera um pouco a impressão de que ele pode estar utilizando a menor dependência do comércio exterior americano, vis-à-vis dos outros países do mundo, essa assimetria, pra tentar conseguir extrair algum tipo de vantagem do resto do mundo.”

Hoje, a média tarifária de importações no Brasil é da ordem de 12%, contra um valor de 4% entre os países desenvolvidos que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), aponta Ferraz. Em outras ocasiões, Trump já argumentou que esses impostos seriam muito elevados.

Ferraz pondera, no entanto, que as taxas comparativamente mais elevadas também são consequência de negociações promovidas pela Organização Mundial do Comércio (OMC) em que países em desenvolvimento foram isentados. “Foi um processo que ocorreu com o consentimento das maiores economias do mundo, saiu de um equilíbrio de negociação.”

Confira abaixo, a entrevista com Lucas Ferraz.

InfoMoney: Qual a sua avaliação sobre a nova elevação das tarifas para aço e alumínio e também para a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos?

Lucas Ferraz: O Trump vem falando sobre impostos e tarifas desde que assumiu o seu segundo mandato, mas fica aquela dúvida até que ponto ele vai adiante nas suas afirmações. Gera um pouco a impressão de que ele pode estar utilizando a menor dependência do comércio exterior americano, vis-à-vis os outros países do mundo, essa assimetria, pra tentar conseguir extrair algum tipo de vantagem do resto do mundo.

Ele anunciou, por exemplo, a questão da imposição de 25% de tarifas para Canadá e México, e acabou voltando atrás, deu mais 30 dias pra essa avaliação em função das supostas de negociações que foram feitas com os presidentes desses dois países. De concreto, o que ele tinha feito até agora foi elevar as tarifas em 10% pra todos os produtos que são comprados na China.

Lá no seu primeiro mandato, no começo de 2018, o Trump colocou tarifas de importação de 25% para as importações de aço e de 10% para as importações de alumínio. Ele colocou essas tarifas contra o mundo inteiro e o Brasil foi atingido, ainda que seja um Brasil que desde 2010 tem saldos comerciais negativos na relação com os EUA.

Não defendo que a visão de ter saldo comercial negativo ou positivo seja um critério técnico que faça sentido para balizar suas relações comerciais, mas assim ele tem pensado.

IM: Antes dos anúncios sobre aço e alumínio, Trump falou que trataria com reciprocidade as tarifas na última semana. O que isso pode significar?

LF: Quando se fala sobre reciprocidade, que também foi uma afirmação que ele fez recentemente [cobrar impostos com os mesmos valores que os países cobram em importações americanas], a minha impressão é que o custo para a economia americana e o custo para a economia global seria muito alto e, provavelmente, como já aconteceu no caso do Canadá e do México, o próprio setor privado americano fará muita pressão. Sob ponto de vista político vai gerar um custo muito alto para que ele vá em frente com essa questão.

Os Estados Unidos são um país que tem, se não a média tarifária mais baixa, entre as mais baixas do mundo. É o país mais aberto do mundo, uma média da ordem de 2,2%, enquanto a média mundial tarifária está ao redor de 6%. Ele teria que fazer um movimento grande com custo muito alto para a economia global e para os EUA.

E aí eu acho que vale a pena fazer um parênteses. Estudos que foram publicados recentemente sobre o período do seu primeiro mandato mostram que os objetivos com a imposição de tarifas de importação, sobretudo com relação à China, na verdade não forma alcançados.

IM: Que objetivos não foram conquistados?

LF: Não houve geração de empregos industriais, aumento de exportações na indústria americana — muito pelo contrário, as exportações industriais americanas caíram cerca de 8%, em função da guerra comercial do primeiro mandato — e talvez o mais importante: quem pagou a conta no final foi o próprio consumidor americano.

Esses estudos mostram que houve um repasse integral da tarifa de importação para o preço final do produto no mercado americano. Não foi o país estrangeiro que pagou a conta, não foi a China que pagou a conta, não foram os países atingidos que pagaram a conta, mas foram os próprios consumidores americanos que pagaram boa parte, se não a integralidade dessa conta.

A tendência é que o Trump continue utilizando o comércio exterior como uma arma de negociação. Ele vai fazer pressão sobre países que tenham tarifas maiores do que os Estados Unidos para extrair vantagens. Agora, fazer isso de uma vez para o mundo, numa escala mais ampla, atingindo a economia global dessa forma, acho que não. Ele optaria por negociações bilaterais em alguns produtos específicos, que ele entenda mais vantajosos que os Estados Unidos.

IM: Naquele período de 2018, Trump voltou atrás da imposição de tarifas sobre aço, impondo uma cota de importação. Esse movimento de agora pode resultar em uma negociação similar?

LF: Lá em 2018, vários países conseguiram negociar com os Estados Unidos. Canadá e México, membros do USMCA [área de livre-comércio da América do Norte], no primeiro momento foram atingidos, mas depois eles ficaram isentos por serem membros do acordo. Outros países, como o Brasil, a própria Austrália, conseguiram negociar cotas de importação.

No caso do aço especificamente, negociamos uma cota que era correspondente à média de venda do aço brasileiro para os americanos nos últimos três anos, alguma coisa ao redor de US$ 3 bilhões naquela época. No caso do alumínio, optamos por permanecer com a tarifa de 10%.

IM: Isso pode acontecer de novo agora?

LF: É claro que sim, mas tudo dependerá muito do canal, da qualidade da comunicação entre o Brasil e os Estados Unidos nesse momento. A melhor forma de tentar resolver essa questão não é o Brasil escalar essa guerra comercial, caso Trump venha a impor essas tarifas, como já vem sendo veiculado que o Brasil teria um pacote de retaliação.

Isso pode gerar uma escalada em que o Brasil certamente perderá muito mais do que os Estados Unidos dada a assimetria em termos de tamanho das duas economias. A economia brasileira é de US$ 2 trilhões, a americana, de US$ 29 trilhões.

A melhor opção seria não reagir e abrir um canal de diálogo com a diplomacia americana, com os pontos focais na administração americana, e por meio da diplomacia tentar resolver essa questão, algo que não será fácil, haja vista que hoje o Brasil não é um país muito próximo ao atual governo dos Estados Unidos por questões ideológicas.

IM: Naquele primeiro mandato, a relação comercial era menos complexa entre os dois países em função do fator político?

LF: Certamente era uma relação comercial muito menos complexa. No governo Bolsonaro, o canal de comunicação era forte, era um canal estável, e isso também facilitou a negociação. A tarifa do aço e alumínio foi aplicada em 2018, mas a negociação da cota foi em 2019, no governo Bolsonaro.

IM: Como foi a relação comercial entre Brasil e Estados Unidos nos últimos 15 anos?

LF: Os Estados Unidos são um parceiro comercial importante do Brasil. Nós temos cerca de 11% a 12% das nossas exportações feitas para os Estados Unidos. É o segundo maior parceiro comercial do Brasil depois da China.

O mais interessante é que os Estados Unidos são o maior destino das exportações industriais brasileiras. No ano passado nós exportamos cerca de US$ 40 bilhões para eles e cerca de US$ 31 bilhões corresponderam a produtos da indústria de transformação.

Mas dado que o Brasil não é um país muito aberto ao comércio exterior, a participação das exportações do PIB brasileiro não é muito alta. Os impactos agregados do PIB nacional tendem a ser pequenos caso essas tarifas de aço e alumínio venham a ser colocadas, mas setorialmente há relevância.

É uma relação importante, mas vem perdendo relevância dada a ascensão da China. A China vira o maior parceiro comercial brasileiro justamente quando a balança comercial fica negativa para o Brasil [com os Estados Unidos] no ano de 2010. Coincide na mesma data de quando a China vira o maior parceiro comercial brasileiro.

IM: Trump já mencionou em algumas oportunidades que países como Brasil e Índia tem tarifas de importação muito altas. É uma afirmação que faz sentido na comparação global?

LF: O Brasil está entre os países com a maior média tarifária do mundo. Certamente entre os mais fechados na participação das importações sobre o seu PIB.

Agora, é importante mencionar que as coisas não acontecem ao acaso. A foto que nós temos hoje das tarifas de importação que são empregadas pelos países mais relevantes do mundo, por exemplo os países que são membros da OMC.

Desde 1947, quando foi criado o GATT [Acordo Geral de Tarifas em Comércio, na sigla em inglês], houve várias rodadas de negociações que visaram reduzir as tarifas de importação dos membros da OMC. E as tarifas que nós temos hoje são resultado de negociações.

Essa assimetria tarifária vem de um processo histórico de um equilíbrio de forças que foi encontrado ao longo de várias negociações desde 1947, quando o GATT foi assinado pelos membros, e depois, em 1994, quando o GATT vira a OMC, pelos membros da OMC.

A assimetria existe, mas ela foi resultado de um processo conciliador no qual os Estados Unidos tiveram um participação muito relevante.

IM: E o que levou, durante esse processo, à uma tarifa média mais elevada no Brasil em comparação a outros países?

LF: O Brasil ficou à parte desse processo. Boa parte das negociações do OMC se concentraram em produtos industriais e os países em desenvolvimento ou países pobres tinham isenção nessas negociações, tratamento especial. Por isso o Brasil e outros países foram poupados e ficaram com tarifas maiores. Foi um processo que ocorreu com o consentimento das maiores economias do mundo, saiu de um equilíbrio de negociação.

Pelo menos até a última rodada, do Uruguai, as negociações se concentraram em redução de tarifas de bens industriais. Foi a partir da última que entram também os bens agrícolas, e aí os países em desenvolvimento passaram a participar dessa rodada, porque eles tinham interesse na abertura do mercado para commodities agrícolas nos países desenvolvidos.

IM: Bens agrícolas podem ser impactados pela atual política tarifária de Trump?

LF: Não exatamente para o mercado americano. Claro, nós exportamos produtos agrícolas, a pauta principal é mais industrial. Agora, tem um setor que pode sim estar no alvo da negociação para o presidente Trump: o etanol.

O setor de etanol tem uma tarifa de importação hoje na ordem de 18%, mas quando o Brasil exporta etanol para os Estados Unidos, a tarifa é isenta. É possível que no caso do etanol, um produto de interesse dos Estados Unidos, o Trump tente fazer algum tipo de barganha para que o Brasil volte a zerar a sua tarifa de etanol, como foi zerada no governo Bolsonaro.

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