A nomeação da jurista Angela Gandra Martins como secretária de Relações Internacionais da prefeitura de São Paulo fortalece a estratégia de diplomacia paralela de grupos ultraconservadores, analisa o professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) e coordenador do Observatório da Extrema Direita, Guilherme Casarões. Segundo o pesquisador, o novo cargo dá à ativista antiaborto a oportunidade de projetar alianças bolsonaristas internacionais e manter viva as relações com agentes estatais e privados da extrema direita que ela estabeleceu quando era secretária nacional da Família do governo Bolsonaro e espécie de braço direito da ex-ministra e senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
"Ela é uma figura importante desse bolsonarismo mais radical, vamos dizer assim. Está entre as figuras que usam o cargo para seguir fazendo política externa na perspectiva da oposição, mesmo quando isso fere a liturgia do cargo. Ou seja, é o uso de um cargo, dos recursos públicos para traçar uma política externa de oposição", explica Casarões.
Angela Gandra é uma conservadora católica que foi figura central na costura de relações internacionais do governo Bolsonaro conduzidas informalmente pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH), após a saída de Ernesto Araújo do Ministério das Relações Exteriores. Em plena pandemia, em novembro de 2020, ela foi pessoalmente à Varsóvia, capital da Polônia, com despesas pagas pelo instituto ultraconservador Ordo Iuris, para apoiar restrições ao aborto legal estabelecidas pelo Tribunal Constitucional do país.
Um informe do Observatório de Sexualidade e Política (SPW) e Conectas Direitos Humanos sobre as relações entre o MMFDH com redes transnacionais ultraconservadoras destaca encontros internacionais que Gandra teve com durante seu secretariado. O documento ressalta sua participação, por exemplo, na "IV Cúpula Transatlântica promovida pela plataforma ultraconservadora Political Network for Values, em Budapeste, em maio de 2022, onde Gandra foi apontada como representante e pessoa de referência do Consenso de Genebra, uma aliança conservadora antiaborto composta por países que violam direitos humanos, que foi liderada por Donald Trump. O Brasil deixou o acordo no começo do governo Lula (PT).
O informe também menciona as relações da secretária com a Hungria e a Guatemala, que participavam do Consenso de Genebra, e a sua atuação intensa em diálogos do Brasil com Emirados Árabes para negociações de parceria do Programa Abrace Marajó, projeto de Damares que causou prejuízos milionários aos cofres públicos, segundo a CGU.
"Gandra é uma das figuras mais bem conectadas do bolsonarismo com relação a direitos humanos", explica o professor Casarões. Embora "o município tenha pouco a interferir numa agenda federal de direitos humanos, a nomeação para a prefeitura de São Paulo dá a ela uma plataforma para que faça viagens internacionais, reafirmando contatos com grupos ultraconservadores com os quais ela já tem relações, como a Opus Dei, a Tradição, Família e Propriedade (TPF), a Ordo Iuris e Alliance Defending Freedom (ADF International), uma associação de juristas norte-americanos que é acusada de disseminar ódio nos Estados Unidos", diz.
A secretaria que Gandra ocupa foi criada em 2001, no governo de Marta Suplicy (PT). Em um contexto de governo de oposição, a pasta fornece um certo grau de política externa uma vez que a Constituição veta que estados e municípios tenham esse tipo de atuação, comenta o professor. "A secretaria em si não é um órgão nem forte nem fraco. Tudo vai depender se o prefeito Nunes dará a ela muita ou pouca atribuição", completa.
Em entrevista ao Estadão, a nova secretária de Nunes comentou que pretende avançar a partir do trabalho de Marta e que "nenhum governo pode trabalhar sem transversalidade". "Vamos ver o que outros países estão fazendo, buscar parcerias, fortalecer relações com organismos internacionais. Vou fazer uma ponte", disse.
SIte Oficial da AP